Sob pretexto de defender vida, PL pode causar morte de meninas e mulheres
Tem deputado por aí mentindo pra você. Estão dizendo que se importam com a vida, mas veja bem. Esse suposto projeto de defesa da existência, o PL 1904, de autoria de um negacionista da ciência, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), pode causar a morte de meninas e mulheres.
Isso porque, em vez de garantir que todas tenham o direito ao aborto legal de forma rápida e segura, a proposta vai na via contrária: criminaliza vítimas de estupro e mulheres que correm o risco de morrer ao parir.
Explico: o projeto de lei que está sendo levado a plenário em caráter de urgência (urgência pra quem?) equipara o aborto — hoje legal — acima de 22 semanas ao crime de homicídio.
Trocando em miúdos, poderão ser presas por até 20 anos as mulheres que interromperem a gravidez por um desses três motivos: porque correm risco de morrer; o feto é anencéfalo e inviável fora da barriga; a gestação foi causada por um estupro.
O que pode acontecer, então, se esse projeto for aprovado?
Vou desenhar três situações:
- Na primeira, os médicos avisam à gestante: a partir de agora, sua gravidez é de risco, e você pode morrer no parto. A barriga já passa de 22 semanas, e ela é impedida de fazer o aborto que hoje é seu direito por lei. Ela morre, o bebê nasce e é abandonado.
- Uma mulher é estuprada por um desconhecido, com uma arma na cabeça. Ela engravida. Tenta abortar legalmente antes das 22 semanas, mas não encontra médico que garanta seu direito. Mora em uma cidade pequena, e eles alegam "razões morais" para não atendê-la. Desesperada, já com a gravidez avançada, ela procura um serviço ilegal, e consegue abortar. Tem uma complicação de saúde e acaba sendo denunciada. É condenada e pega pena de prisão de 20 anos. Seu estuprador também é denunciado, mas a pena máxima que pode pegar é metade da dela.
- Uma criança de 11 anos é estuprada por seu próprio pai. Ele a engravida, mas ela só percebe a gestação quando já está avançada. Até conseguir pedir ajuda, o feto passa das 22 semanas. Com medo de ser criminalizado, nenhum médico aceita fazer o aborto. A gestação vai até o fim, e a menina morre no parto. O pai dela fica com o bebê, que também será violentado.
Esses são alguns exemplos do que pode acontecer caso o PL 1904 seja aprovado. Sob o pretexto de "proteger a vida", os deputados que defendem a mudança no Código Penal estão colocando crianças e mulheres sob risco de morrer.
Nesta semana, Arthur Lira, ele mesmo acusado de violência física e estupro por sua ex-companheira, deu mais uma prova de sua preocupação com as mulheres.
No Dia dos Namorados, aprovou em menos de um minuto a tramitação do projeto em regime de urgência. Isso permite que o PL siga para votação no plenário da Câmara com mais rapidez, sem passar antes por comissões específicas.
O atual presidente da Casa pautou o assunto sem aviso, e considerou a urgência aprovada sem o registro do voto de cada deputado no painel. Lira não se importou nem com a temperatura da opinião pública: na noite de quarta-feira (12), enquete no site da Câmara era majoritariamente contra a proposta. Só 35% votaram a favor, e 65%, contra.
Ou seja: a urgência é de homens como Lira e Sóstenes. Um "teste" para o presidente, como disse o deputado à Globonews. A manobra é política.
No ringue masculino, deputados como eles jogam contra as mulheres — de vítimas, tentam transformá-las em criminosas, desviando o foco das pautas emergenciais e deixando de nos oferecer um projeto que diminua o nosso risco de morte e violência sexual no quinto país com maior índice de feminicídios no mundo, em que duas mulheres são estupradas por minuto.
Com a vida de quem esses deputados se importam?
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