Como bem demonstra livro, quando se trata de abuso, é preciso, sim, falar
"Melhor não contar." O título do livro mais recente de Tatiana Salem Levy, lançado agora pela Todavia, é uma espécie de lema universal imposto às mulheres que já sofreram violência.
É melhor não contar, porque a roda que perpetua os crimes sexuais precisa continuar girando. A cada vez que uma menina ou mulher revela o que sofreu, é como se jogasse uma pedra no moinho e atrapalhasse um pouco a vida de todo abusador.
Quando se debruça sobre a própria experiência, Tatiana recusa o conselho. Ela risca o "não" e decide: é melhor, sim, contar.
Décadas depois de ser assediada pelo homem por quem sua mãe era apaixonada — um homem 50 anos mais velho, poderoso, célebre, parte da identidade nacional, contra uma menina em formação —, a autora finalmente expurga o segredo que a vinha importunando.
Ela tenta explicar: "Se eu tirar a cena de dentro de mim, se eu a expuser para os outros, pode ser que ela deixe de me atormentar".
Para isso, é preciso enfrentar a culpa, o medo e a vergonha. "Quanta coragem é preciso para se tornar mulher?", pergunta a autora. "Quantas vezes ao longo de uma vida nos tornamos mulher?"
Tatiana parece buscar fôlego em escritoras que vieram antes, e que agora permeiam a sua obra, de certa forma servindo de amparo a ela.
Simone de Beauvoir, Virginia Woolf, Annie Ernaux estão ali pra ajudar a justificar uma escolha que outro dia parecia absurda: expor a violência guardada desde que o padrasto decidiu passar praquela garota a responsabilidade pela felicidade da própria mãe.
Ao assediar a menina, o homem ergueu "um muro na relação de mãe e filha". Tatiana "só queria que o tempo voltasse". Ela escreve que as cenas se repetiam ao longo de sua vida "nas formas mais variadas, como imagem, segredo, pesadelo, silêncio, repetição, fantasma, culpa".
A ideia de decepcionar a mãe ou de causar nela "uma tristeza enorme" fez com que decidisse manter a violência que sofreu em segredo. Tinha medo "de que ela me amasse menos. De que desconfiasse de mim. Fiquei sozinha com a perda, a dor e a dúvida", escreve.
Tatiana só se livra do segredo após a morte de sua mãe e de seu padrasto. Ao fazer isso, faz da sua própria vivência uma experiência coletiva, como se dissesse que sua história não é só sua — o que nós todas precisamos de algumas décadas para perceber.
Ao contar, Tatiana já não fica tão sozinha, e o mesmo serve pra tantas e tantas vítimas de agressão sexual.
É melhor contar, sim, ainda que as palavras deem medo. E é bom que a gente pare pra ouvir. Pra ouvir e pra falar.
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