Justiça manda apreender menina que denunciou padrasto e apanhou em abrigo
Há duas semanas, contei aqui a história de Ana*, de 13 anos, que denunciou seu padrasto por estupro e foi mandada para abrigos públicos, onde sofreu novas violências, incluindo um estupro coletivo.
Depois de ser encontrada num matagal, toda machucada, Ana foi acolhida pela tia-avó paterna — depois de descobrir, sozinha, quem era seu pai biológico, de quem estava afastada. Foi à família paterna que a menina recorreu para escapar da casa onde, segundo ela, a própria mãe permitia que fosse abusada.
Como o pai trabalha em Londres, é a tia-avó quem cuida, no dia a dia, da menina. Ele contratou um advogado para cuidar do caso, e desde então eles vêm brigando na Justiça pela guarda definitiva da menina no lar paterno.
Mas o Ministério Público do Espírito Santo e a Justiça do estado não concordam com o pedido. Numa manifestação contrária ao desejo da menina, a promotoria indicou que Ana deve ficar com a tia materna, com parte das despesas pagas pela mãe — a mesma mãe que tem medida protetiva para não se aproximar da filha.
A Justiça aceitou o pedido e emitiu um mandado de busca e apreensão da adolescente. Ela pode ser retirada a qualquer momento do lar paterno, com uso de força policial, e levada contra a sua vontade para a irmã da mãe, em outra cidade.
O advogado que representa a adolescente, Maciel dos Santos Cunha, afirma sentir como se "todos os esforços não valessem nada diante de um Ministério Público parcial e de um juízo supostamente conivente".
É como se o doutor promotor de Justiça advogasse para a família materna, a mãe e a tia. É um absurdo, diante de tantas provas de maus-tratos e abusos contra a família materna, o MP e o juízo não se posicionarem contrários à barbárie.Maciel dos Santos Cunha, advogado que representa a adolescente
Cunha afirma culpar o MP e a própria Vara da Infância pelo sofrimento da menina, que não poderia ser levada "a uma extensão do lar da genitora e do padrasto, que possuem medida protetiva".
Questionados sobre o mandado de busca e apreensão da menina, o Ministério Público respondeu afirmando que 'o caso tramita em segredo de Justiça, conforme estabelecem as leis referentes à criança e ao adolescente. Por isso, no momento não é possível fornecer informações.'
O Tribunal de Justiça do Espírito Santo não se posicionou até a conclusão deste texto. Em nota enviada ao UOL há duas semanas, o TJ-ES havia afirmado que "os procedimentos adotados pelos magistrados foram embasados em relatórios médicos e de equipe multidisciplinar". A Corregedoria-Geral da Justiça do estado também foi acionada para apurar o caso.
O Fordan, programa de acolhimento de vítimas da Universidade Federal do estado (UFES), voltou a denunciar a conduta do MP e do TJ às instâncias superiores.
Em documento enviado a órgãos como os conselhos nacionais de Direitos Humanos e de Justiça, o Fordan afirma estar "claro o risco de aproximação da mãe e do padrasto" se Ana estiver na casa da tia materna.
O programa de proteção aponta ainda a possibilidade de a vulnerabilidade da menina aumentar, por conta da rotina de plantões profissionais da tia, o que colocaria Ana aos cuidados de outras pessoas. Por fim, pede que o sistema de Justiça se sensibilize, com "extrema urgência".
*nome fictício para proteger a identidade da menina
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