Olimpíadas delas: apesar de violências, mulheres mostram do que são capazes
Foi só abrir uma porta. O Brasil deu o mínimo para que as mulheres entregassem a performance vista nas Olimpíadas de Paris.
E o que as atletas brasileiras mostraram — com destaque para o protagonismo das mulheres negras — é o que são capazes de fazer apesar das condições precárias, da violência, do desrespeito e da misoginia.
Apesar dos altos índices de feminicídio, estupro, abandono parental, assédio sexual e moral e desigualdade salarial, as mulheres já conquistaram, até agora, 10 das 14 medalhas olímpicas que virão para o Brasil.
Foi a Olimpíada das mulheres, e era esse o assunto na semana em que a Lei Maria da Penha completava 18 anos, ainda em meio a um surto de desinformação e ataques que obrigam a própria Maria da Penha a andar escoltada, quatro décadas depois de seu então marido tentar matá-la.
A Olimpíada das mulheres no país em que as leis de proteção a elas existem, mas sua segurança não é garantida nem pelo próprio sistema de justiça.
A Olimpíada das mulheres na semana em que um promotor recusou a tese de que a artista venezuelana Julieta Hernández foi estuprada, queimada viva e enterrada porque era mulher.
Como combater o feminicídio se as autoridades se recusam a reconhecê-lo, até quando a tipificação está desenhada nas entranhas dos nossos corpos?
Como transformar aplausos passageiros em investimento público e privado para que não só as mulheres sobrevivam, mas tenham as mesmas condições de estudo, treino, salário e proteção?
Até quando as marcas vão preferir patrocinar homens que propagam abertamente o ódio às mulheres, enquanto elas lutam com pouquíssimo apoio para salvar o país?
Rebeca Andrade, hoje a nossa maior atleta olímpica, parece uma espécie de milagre, mas é fruto de uma rotina de sacrifícios.
Um perfil publicado pela revista Marie Claire em janeiro conta que a sua primeira porta foi aberta por sua tia Cida. Ela trabalhava na equipe de limpeza de um clube de Guarulhos, e soube de um teste para jovens talentos. Rebeca tinha só 4 anos, mas as treinadoras viram seu potencial.
O texto, assinado pela repórter Manuela Azenha, diz ainda que a mãe de Rebeca, Rosa, dava o dinheiro que recebia de condução como empregada doméstica para que um dos filhos levasse a menina aos treinos. Durante seis meses, Rosa caminhou duas horas para ir e duas horas para voltar do trabalho, até a exaustão.
Esse é o retrato da vitória da mulher negra brasileira — uma vitória que, apesar de tudo, cola à bandeira do Brasil a imagem de solidariedade, alegria, superação e bem-estar mental. Como seria, se não fosse tão difícil?
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