A máxima do 'não é não' finalmente é aceita pela Justiça brasileira
Não foi fácil, nem rápido, mas uma decisão tomada nesta semana no Superior Tribunal de Justiça finalmente reconheceu que, depois do "não", qualquer ato sexual é, sim, estupro.
Você deve estar pensando, "mas já não era assim?". Já está mais do que compreendido e acordado que é preciso consentimento para que qualquer interação sexual aconteça sem que seja considerada violência.
O problema são os buracos da legislação que deixam passar abusadores e falham ao proteger as vítimas.
Não há, na lei, uma definição de consentimento para o ato sexual. No artigo que define o crime de estupro no Brasil, é preciso que haja "violência ou grave ameaça". Mas o que é violência para você não é necessariamente violência pra mim. Então essa decisão depende de cada juiz.
Na última terça-feira, o STJ reverteu a absolvição de um homem acusado por 12 mulheres de violentá-las.
No caso de uma dessas vítimas, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal havia considerado que não ficou caracterizado o estupro porque ela não se "opôs ou reagiu, de forma séria, efetiva, a fim de demonstrar ao réu a sua inequívoca objeção". Ou seja, se a mulher não gritar, se debater, empurrar, bater no homem que a violenta, isso significa, para o juiz, que a reação não foi "suficiente".
O presidente da 6ª Turma do STJ, Sebastião Reis Junior, criticou a decisão do tribunal anterior e afirmou que a sentença "transmite um viés desatualizado e machista da situação, ao querer estabelecer a forma de agir de uma verdadeira vítima de crime sexual".
E foi mais longe: disse que "a concordância e o desejo inicial da vítima têm que perdurar durante toda a atividade sexual, pois a liberdade sexual pressupõe a possibilidade de interrupção do ato".
O "não" da vítima, declarou o desembargador, "caracteriza reação e oposição efetiva e expressa de censo claro que deveria ter sido respeitada prontamente".
Graças a esse entendimento — e ao trabalho da advogada de acusação do caso, Manuela Paes Landim —, Gabriel Ferreira Mesquita, dono do bar Bambambã, em Brasília, foi condenado em uma das 12 acusações formais que existem contra ele. Por esse caso, ele deverá cumprir 6 anos de prisão em regime semiaberto.
A decisão é considerada inédita e altera a jurisprudência no Brasil. Uma fonte do Ministério Público disse às repórteres Camila Brandalise e Manuela Rached Pereira, do UOL, que "a violência no estupro não é só bater ou machucar, mas prosseguir o ato sem consentimento. Esse entendimento já existe em tribunais internacionais, mas o Brasil ainda não tinha isso admitido por tribunais superiores".
Agora, como afirmou o próprio presidente da 6ª Turma do STJ, o "não" da vítima, "ainda que sem reação mais drástica ou severa, ou resistência heroica de sua parte, é capaz de caracterizar o estupro quando efetivado o ato mediante força física".
A violência prevista no Código Penal, portanto, passa a se caracterizar com o "não" da vítima. Um passo muito importante, embora insuficiente. Ainda é preciso admitir que nem sempre é possível dizer "não", porque as situações de violação sexual são imprevisíveis e cheias de nuances.
Esse tema, abordado num livro lançado neste mês, "Precisamos falar de consentimento", de Arielle Sagrillo Scarpati, Beatriz Accioly Lins e Silvia Chakian (Bazar do Tempo), é o próximo passo nessa discussão.
Por enquanto, a gente pode respirar um segundo e comemorar que a Justiça brasileira pare de exigir um determinado comportamento da mulher, ou a sua "resistência heroica", para reconhecer o estupro.
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