Cristina Fibe

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Opinião

É injusto cancelar Blake Lively por se afastar da 'ativista ideal'

Qual é a postura de uma vítima "ideal"? Como se comporta a mulher que sofre violência sexual ou doméstica? A resposta é que não existe um padrão.

Tentar encaixar as vítimas em estereótipos é uma ferramenta antiga para descartar aquelas que não combinam com o que imaginamos. Caso as atitudes dela não estejam dentro do esperado, isso vai servir para questionar sua palavra, dizer que está mentindo ou, pior, mereceu o que passou.

Lutar contra essa padronização é uma das principais bandeiras no combate à violência de gênero.

Só que aí o assunto foi parar em Hollywood, no filme-polêmica da vez, e as mesmas pessoas que batalham por essa causa estão cobrando da atriz principal uma postura mais "adequada".

Blake Lively está aparentemente cancelada por promover o filme "É Assim que Acaba" como se ela fosse protagonista de "Barbie". A cada evento, usa um vestido de flores diferentes, em homenagem à sua personagem, uma florista meio sonhadora. Pra piorar, convocou as mulheres a levar as amigas e vestir seus florais para a sessão. E ainda teve a ousadia de, no meio disso tudo, enfiar o marketing de produtos de beleza pra ficar ainda mais rica.

Só que Blake não está promovendo um romance ou uma comédia açucarada. O filme é pesado, desperta gatilhos em quem já sofreu violência, e portanto se cobra da atriz que se comporte dentro do esperado — segurando a bandeira da ativista, dando entrevistas que complementem o serviço e estimulem vítimas a denunciar.

Ao recusar esse papel, passou a sofrer ataques constantes em suas redes sociais e na mídia, como se estivesse, ao trazer leveza para a divulgação, anulando o serviço que, de fato, o filme presta.

As críticas, como sempre quando direcionadas a uma mulher, misturam a cobrança por uma atitude mais "respeitosa" a críticas a seu visual e sua personalidade. Muito velha, fora de forma, grossa, todos esses adjetivos vindos, também, de mulheres.

Mulheres que lutam pela causa. Combatem a violência sendo violentas com uma mulher que não atende às suas expectativas.

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E, como em Hollywood não há ponto sem nó, a polêmica está servindo ao propósito: o filme, longe de ser uma grande obra, já levou uma multidão às salas. Centenas de milhares de pessoas que, atraídas pelo caráter de entretenimento do longa, ficam mais de duas horas sentadas, vendo uma história de amor se transformar num pesadelo íntimo, confuso e destruidor.

Porque, como na vida, a violência no filme não está dada logo de cara: primeiro, a gente se apaixona pelo príncipe encantado, aquele que a indústria audiovisual nos ensinou a amar. Ignora sinais como um chute na cadeira, um copo tirado da nossa mão, a insistência mesmo depois da negativa.

Aquele "não aceito não como resposta" do momento da conquista que vai se transformar em "não posso ser contrariado" durante a relação. O medo de perder que vira controle e ciúme excessivo. A força descarregada primeiro num objeto, depois no seu corpo.

Ainda que seja possível apontar ressalvas à obra e ao modo como a atriz divulgou o filme, o mais importante está ali: a violência doméstica é uma rede traiçoeira, difícil de detectar e prevenir. Nenhuma mulher está a salvo. As agressões estão metidas no meio de uma farsa, e o ciclo de violência só acaba com o fim da relação. Nem em Hollywood existe príncipe encantado ou, pasmem, a vítima ideal.

E, da forma mais adequada ou não, Blake Lively está, ela também, passando um recado importante na promoção do filme: o abuso não define a mulher. Quem sobrevive a essa violência ou luta contra ela pode, sim, vestir a roupa que quiser, adorar as flores, sonhar com um romance e até ficar rica.

É hora de tirar Blake da cruz e admitir: a atriz de Gossip Girl cresceu e ajudou a colocar a violência doméstica em pauta na indústria cinematográfica mais potente do mundo. Atribuir essa vitória só ao homem que dirigiu o filme diz muito sobre o quanto ainda precisamos caminhar.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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