Fim da banalização da violência contra mulheres também começa nas manchetes
No livro "Justiça para Todas", a advogada criminalista Fayda Belo afirma que o domínio masculino da mulher foi construído no Brasil com a chancela do Estado, sustentado por leis que sacramentaram a suposta superioridade dos homens — na qual muita gente ainda acredita.
Fayda escreve que a violência contra a mulher foi normalizada graças a uma "construção social articulada entre homens, igreja e Estado, resultando num sistema em que as próprias vítimas não conseguem notar que estão sendo vítimas".
Faz parte dessa construção a cultura do estupro, que objetifica meninas e mulheres e as culpa pelas violações que sofrem, enquanto incentiva homens a demonstrar virilidade e poder.
O livro de Fayda motivou um seminário que aconteceu nesta semana, em São Paulo, reunindo alguns dos principais nomes no combate à violência contra a mulher.
No "Justiça para todas summit", ficou claro que o enfrentamento da crença coletiva que subjuga as mulheres passa por dois pilares fundamentais: o equilíbrio de poder e a educação, ou a informação.
Não basta mudar o Código Penal, criar novas leis, ou defender punições químicas incapazes de matar a raiz do problema. Nada disso vai ser suficiente se agentes da Justiça e a sociedade em geral continuarem tratando vítimas como culpadas, e algozes como vítimas.
Essa mudança passa, é claro, também pela imprensa. No painel que discutiu o papel do jornalismo nesse debate, do qual participei, ficou claro que há, também entre nós, um esforço diário pra colocar o assunto em pauta, sem causar revitimização ou usar as tragédias para atrair audiência.
Num artigo recente, Maíra Liguori, diretora da ONG Think Olga, afirma que "a vida de uma mulher precisa valer mais do que os cliques", e que "jornalismo ruim banaliza o ódio às mulheres". Ela defende que, "para avançar na ação e responsabilização coletiva, é necessário sensibilidade e cuidados específicos na divulgação dos casos".
Mas, na falta de um protocolo de gênero para orientar esse tipo de cobertura, o jornalismo erra -- e muito: fotos sexualizadas de vítimas, títulos sugerindo que a culpa pela violência é da mulher, detalhes gráficos que a expõem mais do que ajudam.
Se existisse para nós, jornalistas, um protocolo de gênero como o criado pelo Conselho Nacional de Justiça, balizando como deve ser o tratamento de denúncias motivadas pelo gênero feminino da parte afetada, a imprensa começaria a coibir a banalização da violência contra a mulher nas reportagens. E, quem sabe, na própria mentalidade dos leitores.
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