Puff Daddy, 'Pisque Duas Vezes' e Saul Klein: silêncio perpetua abusos
O que mais chama a atenção nas acusações que podem levar o rapper Puff Daddy — ou P. Diddy, ou Sean Combs — à prisão perpétua é o silêncio. Toda vez que uma rede complexa de crimes sexuais é desvendada, surge a mesma pergunta: como ninguém interrompeu isso antes?
No centro das denúncias por tráfico sexual, associação criminosa e promoção da prostituição estão festas que aconteceram durante mais de uma década e já eram há muito tempo conhecidas na indústria musical americana.
Nesses eventos, chamados de "freak-offs" — algo como "aberrações" —, o rapper entorpecia as mulheres com drogas e remédios controlados para mantê-las obedientes e complacentes e facilitar os estupros, segundo a promotoria.
Coincidência ou não, a denúncia lembra o filme "Pisque Duas Vezes", dirigido por Zoë Kravitz, filha do cantor Lenny Kravitz, e que estreou no Brasil em agosto.
No caso real, as autoridades detalham, num documento de 14 páginas, como essas festas eram organizadas e o que acontecia ali dentro.
"Freak-offs", escreve o promotor, eram performances longas e orquestradas de atividade sexual, que Combs "arranjava, dirigia e muitas vezes filmava". A acusação diz ainda que ele "submeteu as vítimas a abusos físicos, emocionais e verbais para fazer com que se envolvessem nos eventos".
Eles podiam durar vários dias, e havia uso de força, ameaça e coerção. Depois das maratonas, as mulheres normalmente recebiam fluidos intravenosos para se recuperar do esforço físico e do uso de drogas.
O magnata da música "manteve o controle sobre suas vítimas através, entre outras coisas, de violência física, promessas de oportunidades de carreira, concessão e ameaça de retenção de apoio financeiro, e por outros meios coercivos, incluindo rastrear seu paradeiro, ditar sua aparência, monitorar seus registros médicos e fornecer substâncias controladas".
Ele ainda é acusado de bater, chutar, jogar objetos e arrastar as mulheres pelos cabelos. "Essas agressões geralmente resultavam em ferimentos que demoravam dias ou semanas para cicatrizar", afirma o documento.
Para impedir que o denunciassem, usava as gravações das festas, feitas sem o consentimento das vítimas, como uma das formas de ameaça.
Sem citar nomes, a promotoria ressalta que funcionários, membros e associados das empresas do músico facilitaram os crimes, testemunharam as violências sem intervir e permitiram o controle sobre as vítimas. Diz o documento que os abusos eram "recorrentes e amplamente conhecidos".
Mais do que isso, essa rede teria ajudado a esconder os crimes, monitorando as mulheres, localizando "fugitivas" e impedindo que saíssem de hotéis ou residências do rapper. Quem tentasse furar a bolha e ameaçasse procurar a polícia também sofria violências, que incluíam sequestros e incêndios criminosos.
Sean Combs, preso há duas semanas em Nova York, se declara inocente. O mundo da música e os célebres frequentadores das "freak-offs" seguem em silêncio.
Enquanto isso, no Brasil, também se espera uma reação das autoridades às denúncias contra um ex-magnata do varejo, Saul Klein, feitas em 2020. O herdeiro das Casas Bahia é investigado por suspeita de comandar uma rede de estupros que incluía festas e aliciamento de vítimas, retratada no documentário do UOL "Saul Klein e o império do abuso".
Embora já tenha sido condenado pela Justiça do Trabalho a pagar R$ 30 milhões por submeter vítimas a escravidão sexual, ele nunca foi processado criminalmente. Por aqui, o silêncio ainda impera.
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