Cristina Fibe

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Eliza Samudio: até quando mulheres vítimas de violência serão silenciadas?

Pra reputação de um homem poderoso, pouco importa se ele, mesmo sendo casado, ficar noivo de outra mulher e ao mesmo tempo engravidar uma terceira.

Pra reputação de um homem poderoso, pouco importa se ele for acusado de agressão, sequestro, cárcere privado e ameaça. Sua imagem não é arranhada.

Mas, pra reputação de uma mulher, basta ser a amante que engravidou de um homem poderoso. Isso faz dela uma aproveitadora, prostituta, mulher da vida, interesseira, golpista.

Isso faz com que ela grite por socorro e ninguém a ouça. Isso pode fazer com que seja assassinada sem chance de se defender.

Esse foi o enredo que levou Eliza Samudio a uma morte brutal, com requintes de crueldade e tortura, depois de se envolver com o então goleiro Bruno, que acumulava títulos pelo Flamengo.

Eliza tinha só 25 anos e um bebê de quatro meses, que foi arrancado dela.

Um documentário recém-lançado pela Netflix reconta essa história tentando ir além da fama de maria-chuteira que uma ampla torcida colou nela.

"A vítima invisível", dirigido por Juliana Antunes, mostra que os gritos de socorro de Eliza nunca foram levados a sério. Enquanto Bruno era protegido pelo futebol, inclusive sendo dispensado de depor à polícia por causa de um jogo, ela era ignorada.

Tratada como uma aproveitadora que o enganou e engravidou para garantir uma pensão milionária — que hoje é uma dívida milionária —, Eliza chegou a ser acusada de estar atrapalhando a boa fase do goleiro no futebol, com as denúncias públicas que fazia.

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O Brasil inteiro testemunhou as agressões e ameaças que antecederam o assassinato. O Brasil inteiro deixou a jovem desprotegida. O Brasil, enquanto isso, queria que Bruno fosse convocado pra seleção.

No país do futebol masculino, o corpo da mulher é artigo de menor ou nenhum valor. É uma ferramenta usada pelos homens para reafirmar e comprovar seu poder.

No documentário, o jornalista Caio Barbosa, especializado na cobertura esportiva, explica que, conforme o jogador ganha fama e espaço, a autoafirmação da sua masculinidade passa pelo exercício de poder sobre as mulheres.

Ele diz: "Tem que participar desse ciclo tóxico, senão não entra na equipe. Se existe um lugar onde tem masculinidade tóxica o tempo inteiro é dentro de um clube de futebol".

Não à toa, no país do futebol o goleiro Bruno é símbolo de um crime bárbaro, mas outros jogadores célebres já foram condenados por estupro e ainda contam com um séquito de defensores. E muito dinheiro para se defender na Justiça.

Até quando, no país do futebol, mulheres vítimas de violência serão desacreditadas e silenciadas? Há quase 15 anos, Eliza Samudio desafiou a onipotência de um jogador. E morreu.

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Quantas estão, hoje, desprotegidas? E você, quando ouve a acusação de uma mulher contra um jogador que admira, acredita em quem?

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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