Para muita gente, mulheres como a vítima de Robinho merecem ser estupradas
Uma mulher jovem, de vestido vermelho, dançando, bebendo e se divertindo numa noite de música ao vivo, rodeada de homens.
A albanesa que foi vítima de estupro coletivo cometido por Robinho e seus amigos na Itália tinha tudo para não conseguir que a Justiça fosse feita. E em parte não conseguiu, porque quatro dos envolvidos escaparam do tribunal e seguem impunes, colocando em risco outras mulheres, aqui no Brasil.
Mas o crime foi reconhecido, e dois dos violadores, Robinho e Ricardo Falco, estão presos, onze anos depois. Isso graças ao trabalho da polícia, que interceptou as conversas dos amigos e registrou relatos bastante gráficos e violentos do que aconteceu naquela noite de 2013.
Em sua primeira entrevista sobre o caso, num documentário do Globoplay, a vítima, identificada como Mercedes, reconhece que, se não fossem as escutas, "talvez nem tivesse sido descoberto tudo o que veio à tona". "Essa foi a minha sorte e salvação", diz.
E ela tem razão. Não é preciso ter uma bola de cristal pra saber o que teria acontecido se restasse apenas uma palavra contra a outra.
Mercedes teria sido desacreditada. Ela não é a vítima "padrão". É uma mulher jovem, que se diverte, coloca uma roupa vermelha, bebe e dança com homens. Pra muita gente, mulheres como ela merecem ser estupradas.
Mulheres que usam vestidos e frequentam boates e ingerem bebida alcóolica estão, na visão preconceituosa dessas pessoas, colocando os seus corpos à disposição. As noções de consentimento e do que configura ou não estupro ainda estão sendo decididas pelos homens.
Por isso outras vítimas, em situações muito parecidas com a que passou Mercedes, morrerão sem direito à reparação. Com medo de ser — ou já tendo sido — humilhadas diante de advogados, promotores e juízes.
Nisso que chamamos de cultura do estupro, existe um tipo de vítima considerada "ideal", assim como um estereótipo do monstro que acreditamos que pode ser um estuprador.
O que aprendemos com casos como o de Mercedes e o da francesa Gisele Pélicot — essa sim, uma vítima que o mundo inteiro abraçou, pois mulher de família que estava fechada em sua casa, com o marido — é que qualquer uma pode ser vítima de estupro, e qualquer um pode ser o violador.
A lista dos estupradores de Gisele comprova isso: entre eles estão jovens e velhos, de diferentes origens e profissões. Bombeiro, enfermeiro, engenheiro, pedreiro, jardineiro, militar.
Todos eles, como Robinho e seus amigos, violentaram uma mulher sem condições de consentir. Um corpo inerte, que não podia se defender.
Na Itália, Mercedes precisou contar com a "sorte" do trabalho policial que foi feito. No Brasil, as prisões de Robinho e Falco só aconteceram graças ao trabalho de jornalistas como Lucas Ferraz, Janaina Cesar e Adriano Wilkson, que divulgaram os grampos obtidos na investigação.
Se uma dessas pontas ficasse solta, o desfecho seria diferente. Agora, na série "O Caso Robinho", Mercedes pede que seu depoimento ao menos sirva de lição. Pra que se eduquem os meninos antes de esse tipo de crime acontecer. Porque da jovem de vestido vermelho "tiraram uma parte", "as cores se apagaram", e pra isso não há reparação possível.
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