Cristina Fibe

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Opinião

Cerco velado ao aborto revela postura do governo contra ciência e mulheres

Saiu de dentro da Casa Civil a ordem para derrubar a resolução que procura garantir o atendimento humanizado a crianças e adolescentes estupradas que precisem acessar o direito ao aborto legal.

Apesar das manobras do governo petista e da extrema-direita, o documento acabou aprovado, estabelecendo protocolos de proteção às vítimas no momento de interromper a gestação fruto de violência.

As diretrizes não interferem na legislação existente no Brasil desde 1940, apenas estabelecem boas práticas, que hoje não são seguidas na maior parte do país, para evitar revitimização, constrangimento ou a imposição de obstáculos ilegais no acesso ao aborto.

Segundo reportagem de Angela Boldrini publicada na Folha de S.Paulo, a orientação da pasta comandada por Rui Costa causou mal-estar no Conanda, o Conselho Nacional da Criança e do Adolescente, responsável pelo texto. A reunião, diz a Folha, levou conselheiras às lágrimas.

Não à toa. O posicionamento contra a resolução mostra que o governo federal não segue, nos bastidores, o que prega publicamente. Não se vê, na prática, a busca pela igualdade de gênero presente nos discursos do presidente Lula.

Por baixo dos panos, até os direitos das meninas e mulheres que já foram conquistados num passado distante estão sendo ameaçados. Fala-se em epidemia de violência sexual, mas trabalha-se contra a proteção de suas maiores e mais vulneráveis vítimas, que são as crianças.

A gravidez infantil coloca em risco as vidas dessas meninas. Obrigar crianças a levar adiante uma gestação fruto de violência, muitas vezes cometida por seus pais, padrastos, avós, tios ou irmãos, é tortura e viola direitos básicos previstos na Constituição.

O que o documento estabelece é que seja dada prioridade absoluta a esses casos, "da forma mais célere possível e sem a imposição de barreiras sem previsão legal". Por exemplo, é contra a lei que se exija boletim de ocorrência ou autorização judicial para o acesso ao aborto.

O encaminhamento da vítima ao atendimento deve ser feito em até cinco dias, para "evitar a progressão do tempo gestacional, o que pode impactar negativamente na saúde física e mental da criança ou adolescente".

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Elas também devem ter garantido o direito à informação e à escuta especializada, sem a repetição de depoimentos e questionamentos desnecessários.

O documento, publicado no Diário Oficial da União, prevê ainda que o procedimento não dependa da comunicação aos responsáveis legais, "quando isto puder ocasionar danos" à criança ou adolescente, "nos casos em que houver suspeita de violência sexual ocorrida na família".

E proíbe que seja feita "qualquer exigência que possa atrasar, afastar ou impedir o pleno exercício de seu direito fundamental à saúde e à liberdade".

Lutar contra isso, numa aliança bizarra com a extrema-direita, era a última coisa que se esperava do atual governo federal.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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