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Débora Miranda

Jogadora se desculpa por gravidez: por que atletas ainda passam por isso?

Carli Lloyd falou sobre os desafios da gravidez - Reprodução
Carli Lloyd falou sobre os desafios da gravidez Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

20/09/2020 04h00

Em um post em suas redes sociais, a jogadora de vôlei Carli Lloyd (americana, que já atuou aqui no Brasil e hoje vive na Itália) anunciou, sorridente, que está grávida. "A vida certamente evolui de formas espetacularmente surpreendentes", começou, antes de anunciar que o bebê deve vir ao mundo no início do ano que vem.

Expressei minhas desculpas ao meu time e às minhas colegas de equipe por essa mudança imediata na forma que esperávamos viver esta temporada juntos. A reação de todos foi incrível. Serei para sempre grata pelo amor e apoio que recebi de todos.

Por que Carli achou necessário se desculpar por sua gravidez?

O mundo do esporte não é nada receptivo a mulheres grávidas. Afinal, uma atleta esperando um bebê precisa —e deveria ser seu direito— dar uma pausa em atividades que podem colocá-la em risco, como esportes de alto rendimento. Há inúmeros riscos, dependendo da modalidade esportiva, para mãe e bebê.

Mas assim que o anúncio da gravidez de Carli foi feito pelo Casalmaggiore, time italiano em que ela atua, a levantadora passou a ser atacada na internet por pessoas acusando-a de não honrar o time e não ter profissionalismo. A também jogadora de vôlei Carlotta Cambi escreveu um post falando do assunto e saiu em defesa da amiga.

"Tenho lido comentários constrangedores desde que saiu a notícia de que Carli seria mãe. E o mais triste é que não são apenas homens, mas também mulheres. Tornar-se mãe pode realmente ser visto como um desastre?", questiona.

Ainda no post, ela destaca as condições desfavoráveis a atletas que decidem ter filhos.

Talvez alguém não saiba, mas se alguma de nós engravidar o contrato é um desperdício de papel!
Não temos proteções. [...] Alguém pensa nisso? Então, por favor, os comentários sobre respeito, sobre 'não honrar o trabalho', guarde para você. Ser mãe é um direito nosso e é a coisa mais linda do mundo.

A luta pelo direito à maternidade com garantias salariais é antiga entre as atletas —muitas delas não recebem nada de federações e acabam tendo a totalidade de seus salários vinda de patrocinadores, como marcas esportivas.

Em maio do ano passado houve uma grande polêmica envolvendo a Nike e a suspensão/diminuição de pagamentos a atletas grávidas e com filhos recém-nascidos. A corredora Alysia Montaño assinou um artigo no New York Times criticando a marca de artigos esportivos. Ela ficou conhecida por disputar um campeonato grávida de oito meses, em 2014. Foi celebrada por isso na época, mas revelou que na verdade estava brigando com o patrocinador para receber seus pagamentos em dia.

Em 2019, quanto o artigo saiu, Alysia apontou que os quatro executivos que negociavam contratos com atletas de sua categoria eram homens. "Engravidar é o beijo da morte para atletas mulheres", confirmou a corredora Phoebe Wright, patrocinada pela Nike de 2010 a 2016.

Outra reclamação comum entre as esportistas tinha a ver com a pressão para voltar a treinar, sem um período de licença suficiente para que a atleta pudesse ficar junto do filho recém-nascido. Ao retomar o esporte de alto rendimento, pode acontecer de o corpo da mulher parar de produzir leite, ou seja, além de tudo, ela pode precisar escolher entre treinar ou amamentar o próprio bebê.

Embora em muitos países do mundo haja leis trabalhistas que protegem os direitos das mulheres grávidas e com filhos recém-nascidos, os contratos entre atletas e patrocinadores são "independentes", ou seja, as leis podem não ser aplicadas.

A tenista Serena Williams é um exemplo de atleta que recebeu da Nike quando se afastou para ter a filha. Ainda assim, não foi um momento fácil. Ela já comentou diversas vezes sobre conciliar esporte e maternidade e sobre as dificuldades em retomar a forma física.

A corredora americana Allyson Felix é multicampeã olímpica e mundial e nem isso evitou que ela perdesse patrocínios quando engravidou. Ela voltou a treinar dois meses depois do nascimento da filha e hoje, além de ter retomado as boas performances e ter conquistado muitas medalhas, atua como ativista pelos direitos das mulheres no esporte.

Ao falar sobre isso abertamente, Alysia e tantas outras mulheres conseguiram mudar pelo menos uma parte dessa realidade.

A Nike anunciou uma nova política para todas as atletas patrocinadas por ela, que garante pagamento por pelo menos 18 meses no período da gravidez e pós-parto. Três outras marcas de material esportivo também incluíram cláusulas sobre esse tema em seus acordos.

É essencial transformar a forma como as empresas lidam com o período de gravidez de suas contratadas, mas o caso de Carli mostra que a mudança tem que ser mais profunda. Tem que ser estrutural.

Os torcedores que acharam por bem deixar a ela mensagens agressivas após o anúncio de sua gravidez são pessoas que estão inseridas na sociedade, administrando empresas e vivendo em família. E não é possível mais que a gravidez de uma mulher seja motivo para que ela precise se desculpar.