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Débora Miranda

Única árbitra do Brasileirão: 'Conquistei respeito com atitudes em campo'

Edina Alves Batista - Arquivo Pessoal
Edina Alves Batista Imagem: Arquivo Pessoal

Colunista do UOL

01/11/2020 04h00

Foi no dia 27 de maio de 2019, no jogo entre CSA e Goiás, que Edina Alves Batista realizou seu maior sonho: apitar um jogo da série A do Brasileirão. Havia 14 anos que uma mulher não ocupava esse posto —desde Silvia Regina de Oliveira, que foi a última a fazer parte do quadro de árbitros da CBF.

"O sonho da minha carreira sempre foi esse: trabalhar na série A. Um jogo. Era o que eu queria e nunca ia desistir", conta ela, que desde então já atuou como árbitra de uma dezena de partidas do Brasileirão masculino.

O primeiro jogo foi inesquecível. Pensei em tudo o que passei para estar lá e valeu a pena. Faria tudo de novo. A gente nunca deve desistir de nossos sonhos. Não pode ter medo da caminhada, tem que ter medo é de não caminhar.

Edina, 40, é árbitra Fifa atualmente e atuou em jogos da Copa do Mundo Feminina na França, no ano passado.

Leia, abaixo, trechos da entrevista.

Curso de datilografia, aula de pintura

Edina nasceu na pequena Goioerê, no Paraná, e sempre foi apaixonada por esportes. Na escola, amava a aula de educação física, especialmente futebol e basquete.

"Meu pai era caminhoneiro, e minha mãe ficava mais em casa. Eles não gostavam muito de esporte, não, mas também não impediam. Queriam que eu fizesse outra coisa, curso de datilografia, aula de pintura. Tinham essa visão de que esporte era coisa para menino."

Foi o pai de uma amiga que viu nela o talento para arbitragem. "Ele era árbitro da liga de futebol da cidade e me chamou para trabalhar num jogo. Era um amistoso, mas me senti desafiada. Nunca mais consegui sair."

Adrenalina em campo

Foi amor ao primeiro apito para Edina, e ela nunca mais se afastou dos campos. Já são mais de 20 anos desde que tudo começou. "A adrenalina que envolve a arbitragem me pegou de vez. Comecei a bandeirar e fui fazer o curso", lembra ela que sonhava em se formar em educação física, mas só teve condições de ir para a faculdade depois que já estava trabalhando como árbitra.

"A arbitragem me deu tudo. Devo a ela tudo o que eu tenho e tudo o que eu sou."

Edina Alves Batista - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Edina sonhava em apitar a série A
Imagem: Arquivo pessoal

Viveiro de mudas durante a semana

Fazer o curso de arbitragem não foi nada simples. Edina começou no final de 1999 e, na época, se revezava entre arbitrar partidas de futebol amador e o trabalho em um viveiro de mudas de plantas.

"Todo fim de semana a gente viajava para um lugar diferente para ter aula. Saía de madrugada e tinha que dividir o combustível e a alimentação. Foi bastante sacrificante, mas, quando a gente quer alguma coisa de verdade, isso não importa."

Eram em quatro mulheres nas aulas. "Uma dava força para a outra para ninguém desistir. Não era fácil. As meninas diziam que queriam ser assistente, mas eu sempre quis ser árbitra central. Todo o mundo falava que era difícil. Mas era o que eu queria ser! Essa era a minha vontade."

Virou presidente!

Após se formar, Edina deixou o emprego no viveiro e passou a trabalhar na Liga de Futebol do Paraná como secretária. Sabe o que aconteceu a partir daí? Ela foi mudando de cargo até que assumiu a presidência!

Fazíamos um dos maiores campeonatos regionais de futebol do interior do Paraná. Quando nós, mulheres, queremos algo, basta dedicação. Somos boas em tudo.

Edina ficou dez anos como presidente, de 2008 a 2018. Ela seguia arbitrando, mas não em jogos de sua liga. "Sempre tive ética e, por isso, só trabalhava para fora. Nunca nos campeonatos que eu organizava. Sempre achei importante ter respeito e caráter."

Aos 34 anos, começar tudo de novo

Em 2007 Edina ficou sabendo que a CBF havia aberto vagas para árbitros do Paraná. Conseguiu uma indicação de sua federação e passou a atuar como assistente, trabalhando com futebol feminino. Em 2013, saiu uma circular dizendo que bastava o profissional passar nos testes e poderia atuar tanto no feminino quanto no masculino.

Os exames são diferentes para cada modalidade e bastante desgastantes. Mas Edina sempre apitou jogos masculinos e conseguiu passar. "Comecei a bandeirar também no masculino. Fiz jogos de base, sub 15, sub 18, sub 20, série D, C, B e cheguei à série A em 2014. Fui subindo meus degrauzinhos, mas ainda estava como assistente."

No final de 2014 surgiu uma oportunidade de virar árbitra central —o grande sonho de Edina—, mas ela teria que começar a trilhar o caminho até a série A tudo de novo.

Tinha que recomeçar na base, e eu já estava com 34 anos. Eu falei: 'É é isso que quero'. É o trabalho que eu amo, sempre falei que queria ser árbitra. Eu estava na elite e tinha que descer, mas não importava.

E lá foi ela. "Conforme eu ia bem, não dava problema nos jogos, ia subindo."

Hoje Edina é a única árbitra central mulher da série A do Brasileirão masculino.

Edina Alves Batista e Neuza Back (à dir.) - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Edina Alves Batista e Neuza Back (à dir.)
Imagem: Arquivo Pessoal

Será que ela sabe o que está fazendo?

Edina é muito elogiada pelo trabalho que realiza em campo e pela forma como lida com os jogadores, sempre com respeito.

Acho que quando me viram pela primeira vez devem ter pensado se eu sabia o que eu estava fazendo. Muita gente não acreditava que uma mulher pudesse apitar a série A do Brasileiro. Mas fui conquistando respeito por minhas atitudes corretas dentro do campo de jogo.

Ela conta que os desafios maiores que enfrentou ao longo de sua carreira foram fora de campo, pela descrença de que pudesse chegar aonde sonhava. Mas com a bola rolando tudo sempre foi bem.

"Eu respeito os jogadores e gosto que me respeitem. Até agora tem sido mútuo. Não é fácil estar ali, é preciso estar preparada e saber conduzir a partida da melhor maneira."

Segundo Edina, os salários para homens e mulheres são os mesmos —desde que estejam realizando a mesma função. "A CBF tem tratado a gente como iguais. As mesmas cobranças e as mesmas oportunidades para todos."

Copa do Mundo inesquecível

"Eu nunca sonhei em ir a uma Copa. Nunca na minha vida pensei nisso", conta Edina. "Mas surgiu essa vaga e falei: 'Vamos agarrar e levar o Brasil para o Mundial'. Estava concorrendo com quase 50 meninas de todos os países, só 27 foram selecionadas. Temos o melhor futebol do mundo e queríamos mostrar também que temos as melhores árbitras", conta, referindo-se ao trio brasileiro escalado para a Copa feminina da França: ela, Neuza Back e Tatiane Sacilotti (ambas assistentes).

"Vencemos etapas, testes, avaliações. E, quando chegamos lá, só queríamos fazer grandes jogos. Começamos devagarinho e, no fim, atuamos em quatro partidas, inclusive na semifinal entre EUA e Inglaterra. Era um dos jogos mais aguardados e, para mim, foi um sonho."

Edina Alves Batista na semifinal da Copa do Mundo da França - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Edina Alves Batista na semifinal da Copa do Mundo da França
Imagem: Arquivo Pessoal

Uma incentivando a outra

As oportunidades para as árbitras mulheres estão aos poucos crescendo, de acordo com Edina. E, com elas, os sonhos também. A Fifa começou a escalar mulheres para os jogos masculino de base.

"Por isso, eu e a Neuza, quando tivemos oportunidade, nos mudamos para São Paulo [elas dividem apartamento em Jundiaí, no interior]. Falei: 'Vamos nos unir, porque se a gente tiver entrosamento vai melhorar nossa qualidade técnica. Hoje, uma incentiva a outra. Nos preparamos para a Olimpíada. Temos parceria nisso."

Edina afirma que as árbitras estão unidas e se apoiando.

Buscamos juntas qualidade, aperfeiçoamento e informações. A gente tem que se ajudar. Uma tem que ajeitar a coroa da outra.

Que legado ela gostaria de deixar para outras mulheres que sonham em trabalhar com arbitragem? "Eu só queria que elas nunca desistissem. Nada vai cair do céu. Não ia vir para mim um jogo da série A se eu não corresse atrás. Mas se você ama aquilo que está fazendo e faz com qualidade, não é impossível. Cada jogo em que eu trabalho é uma vitória."