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Nariz quebrado, maternidade e preconceito: desafios de uma lutadora de MMA
Começou como brincadeira a paixão de Mackenzie Dern pelo jiu-jitsu. O pai, Wellington Dias (ou Megaton para quem acompanha de perto esse universo), dedicou a vida ao esporte e sempre a levou com ele para o tatame. "Era mais fácil do que ter babá", conta Mackenzie, que desde muito cedo quis seguir os passos do pai, seu grande ídolo.
Foi dessa forma lúdica que começou a treinar, aos 3 anos. Aos 6 participou de sua primeira competição. Aos 14 conquistou o primeiro Mundial. Em 2018, decidiu entrar no UFC (Ultimate Fighting Championship), organização que promove lutas de MMA (artes marciais mistas, na tradução para o português).
"Já tinha conquistado todos os títulos que eu sempre sonhei no jiu-jitsu. E foi bem na época em que a Ronda Rousey entrou no UFC. Ela realmente abriu portas para as mulheres", lembra. Mackenzie fala das barreiras que teve que ultrapassar em sua carreira. Para mostrar que as lutas femininas tinham, sim, qualidade, para provar que seus méritos eram seus e não graças a seu pai, para ganhar bem no esporte a que se dedica.
E quando engravidou, passou pelo mesmo processo doloroso que tantas atletas ainda atravessam: feliz por poder ter um filho —no caso de Mackenzie uma filha, a pequena Moa—, mas tendo de enfrentar perda de patrocínios, pressão por forma física e até perda de seguidores nas redes sociais.
"Perdi muitos fãs. Quer dizer, não deveriam ser fãs de verdade, se pararam de me seguir por causa da gravidez. Mas perdi muitos seguidores. Assusta né? As pessoas comentavam que eu nunca ia voltar", lembra.
Em entrevista ao Extraordinárias, Mackenzie conta sobre os desafios que enfrentou e como superou momentos difíceis no esporte e em sua vida pessoal. Leia, abaixo, trechos da entrevista.
Você começou a treinar jiu-jitsu com seu pai, aos 3 anos. Quais são as memórias dessa época? Ele sempre te incentivou no mundo das artes marciais?
Meu pai nunca me forçou a treinar, foi tudo muito orgânico. Ele sempre teve academia, desde que nasci, e [me levar] era mais fácil do que ter babá. Eu ficava lá, brincando no tatame, enquanto ele dava aula. E fui pegando esse interesse, queria fazer o que o meu pai estava fazendo. Sempre me diverti, e as coisas foram acontecendo de forma bem natural. Era um estilo de vida, e meu pai sempre foi um exemplo para mim.
Entrevistei a Kyra Gracie aqui na coluna, e ela me contou que mesmo na família dela, que é tão ligada ao jiu-jitsu, havia um preconceito grande com relação às mulheres praticarem artes marciais. Você sentiu isso em algum momento da sua vida, seja dentro de casa ou fora?
Eu não senti preconceito em casa, meu pai sempre foi muito carinhoso e sempre me incentivou. A gente malhava juntos, fazia tudo juntos. Sempre fomos parceiros. Mas ele sempre fala que quando descobriu que ia ter uma filha, que tinha preferência por um menino, para poder botar essa pressão [de treinar]. Porque menina talvez tivesse outros gostos. Acabou que eu mesma quebrei essa mentalidade dele, porque acabei fazendo até mais do que muitos filhos meninos talvez fossem fazer. Eu luto jiu-jitsu, MMA, tomo soco na cara, malho, faço muitas coisas e ainda tenho o jeitinho da mulher, mais carinhosa. Hoje, ele fala que se tivesse outro filho, gostaria de ter mais uma menina.
Fora de casa, eu sempre tive muita atenção na luta pelo fato de ser filha do meu pai, do Megaton. As pessoas comentavam sobre isso, e eu precisava provar que, apesar da gratidão que sinto por ele, tenho meus méritos. Sempre treinei forte, tanto quanto os homens treinam. Lutei sempre para a frente, com agressividade. Consegui quebrar um pouco essa ideia de que as lutas entre mulheres não têm técnica. Queria que a galera começasse a levar as mulheres mais a sério.
Queria que você contasse um pouco de sua experiência no MMA. Não sou especialista, mas me parece um desafio bastante diferente dos campeonatos tradicionais de jiu-jitsu, não? Pode dizer o que a motivou a entrar nesse tipo de disputa?
Eu entrei no MMA porque já tinha conquistado todos os títulos que eu sempre sonhei no jiu-jitsu. E foi bem na época em que a Ronda Rousey entrou no UFC. Ela realmente abriu portas para as mulheres e mostrou que a gente poderia, sim, viver disso. Ela mostrou que é só uma pessoa fazer que as portas se abrem para todo o mundo, basta querer e se dedicar. Então pensei em tentar e, caso eu não gostasse, voltaria para o jiu-jitsu, porque ainda era nova e estava na melhor fase da minha carreira. Realmente foi bem difícil, mas fiz essa escolha e gostei, porque a plataforma do UFC atinge muito mais pessoas. Pensei que talvez isso ajuda na minha missão aqui, no meu propósito de levar o jiu-jitsu a mais pessoas e mais mulheres. Nos EUA, por exemplo, o UFC agora vai passar num canal aberto, então muita gente pode começar a assistir.
Muitas vezes as lutadoras saem bastante feridas dessas lutas —mesmo quando vencem. Quando isso acontece, qual é a reação da sua família e da sua filha? Isso afeta sua vaidade e autoestima?
Eu sou vaidosa. Quebrei meu nariz na última luta e estou com o olho roxo até hoje. Demora mesmo muito tempo [para curar], mas faz parte. Meu marido [o surfista Wesley Santos] sempre fala que eu sou linda de todos os jeitos. A minha filha quer sempre dar um beijinho no dodói da mamãe. Lógico eu não quero que ela me veja toda machucada, mas é gostoso receber esse carinho. Hoje eu sei o que a minha família pensa, porque, agora que eu tenho uma filha, não quero ela passando por isso, não. Eu penso: "Tomara que ela goste mais do jiu-jitsu, que ela não fique tomando soco na cara". Mas se for a vontade dela, lógico que vou apoiá-la em tudo. Mas a verdade é que agora entendo o que os meus pais sentem vendo isso.
Você fez uma pausa na carreira em 2018 para ter sua filha. Gravidez ainda é um grande desafio para mulheres esportistas. Muitas têm dificuldades em conseguir parar, há ainda patrocinadores que interrompem pagamentos, além de questões com o corpo e a volta à forma física. Pode falar como foi sua experiência com a maternidade?
Eu passei por todas essas coisas. Fiquei muito feliz ao descobrir que estava grávida, foi uma surpresa e também uma bênção. Mas, sim, perdi patrocínios, perdi muitos fãs —não deveriam ser fãs de verdade, se pararam de me seguir por causa da gravidez—, mas perdi muitos seguidores. Isso assusta né? Havia pessoas comentando que eu nunca ia voltar.
Mas achei bom tirar esse tempo. Passei a vida toda competindo, meu primeiro campeonato foi aos 6 anos, eu engravidei aos 25. Eu já estava me sentindo desgastada, não estava tão focada. Mas eu sempre pensei que ia ter um filho e voltar a lutar. Nunca tive dúvidas. A gravidez foi a melhor coisa que me aconteceu. A Moa nasceu, e eu lutei depois de quatro meses, que foi bem rápido, e veio a minha primeira derrota. Mas não me arrependo. Depois disso, ganhei muito mais seguidores do que eu tinha perdido, me recuperei. Minha filha me fez ser uma atleta mais profissional e mais responsável. Agora tenho foco que é para ser campeã, e vejo que isso está logo ali. Estou quase chegando lá. Tudo flui muito mais em família, meu tempo com eles é valioso.
Você participou recentemente da campanha de uma marca de cosméticos e é bastante incomum ver uma lutadora nesse contexto. Queria que você falasse sobre a sua feminilidade, se é vaidosa e o que isso significa para você.
Eu fiquei muito feliz de participar da campanha da Quem Disse, Berenice?, acho que estamos quebrando essas barreiras. É muito legal ver uma marca grande como essa colocar mulheres fortes, mulheres diferentes em suas campanhas. Eu sou vaidosa, me importo bastante com aparência, cabelo. É difícil na luta, o cabelo está sempre preso, quebrando, as unhas precisam estar curtinhas, já tive o nariz quebrado. Mas eu me importo, sim. Toda mulher tem sua beleza, uma luz que vem de cada uma. E demonstrar isso é saber quem você é, o seu valor. Saber que seu lugar é onde você quiser estar. Não tem essa de que tatame não é lugar para mulher vaidosa. Só porque usa maquiagem ou unhas grandes não significa que não exista uma leoa dentro dela.
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