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Débora Miranda

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Renata Silveira é a 1ª mulher a narrar jogo na Globo: 'Estamos desbravando'

Renata Silveira, narradora da TV Globo - João Cotta/Globo
Renata Silveira, narradora da TV Globo Imagem: João Cotta/Globo

Colunista do UOL

06/02/2022 04h00

Se você é fanático por futebol com certeza já viu Renata Silveira em ação. A narradora, que não tinha o sonho de trabalhar com o esporte, ganhou um concurso na Rádio Globo em 2014 e deu ali o primeiro passo para a narração.

Na próxima quarta, ela se transformará na primeira mulher no comando de uma transmissão de futebol da TV Globo, ao narrar a primeira semifinal da Supercopa Feminina, a partir das 15h30.

"Sempre fui apaixonada por futebol, desde pequena meu pai me levava ao estádio. Mas trabalhar com isso não era um sonho -muito pelo fato de eu nunca ter visto uma mulher narrando. Quando a Rádio Globo lançou o concurso, comecei a ver essa possibilidade. Foi onde tudo começou. Era uma coisa supernova, e as pessoas estranhavam muito."

Nesta entrevista, Renata fala dos desafios de ser uma das poucas narradoras de futebol no Brasil, da relação com torcedores nas redes sociais e da pressão. Relembra o que ela define como "a transmissão mais importante que eu fiz até hoje", do jogo entre Dinamarca e Finlândia, na Eurocopa do ano passado, quando Christian Eriksen teve uma parada cardíaca em campo. E analisa também como a vida de bailarina deu a ela resiliência e preparo para os desafios do universo do futebol.

Veja, abaixo, trechos:

A primeira da TV Globo

É um momento muito especial. Sempre foi um sonho, mas eu nunca tive pressa para que acontecesse. Sabia que precisava comer arroz e feijão para estar pronta, é uma responsabilidade grande. E também é um marco, então tenho que estar preparada e é assim que me sinto.

Dias de preparação

Sempre fui muito estudiosa, desde a escola. Escrevo e leio muito. E gosto dessa parte do pré-jogo, de estudar e me preparar, porque sei que faz diferença na transmissão e me deixa confiante. Cada jogo é um jogo, é uma história diferente, é um improviso. Quando eu comecei, precisava de um mês para me preparar, ficava desesperada. Depois fui pegando prática, aí é diferente. Mas gosto de estudar pelo menos uma semana antes, de falar com o assessor, pegar informações do clube. Falo diretamente com o torcedor, e ele é quem mais conhece o clube. É muita responsabilidade. Além disso, tenho alguns cuidados com a voz e faço acompanhamento com fono.

Cobrança maior por ser mulher

Infelizmente sim, a cobrança é maior por eu ser mulher. As pessoas desconfiam quando veem uma mulher falando de futebol —e tem machismo dos dois lados, de homem e de mulher. Preciso estar o dobro preparada. O tempo todo, todos os dias, tenho que matar dois leões em cada transmissão. É normal, a gente escutou homem narrar a vida inteira. Mas é preciso ouvir, respeitar e aceitar que aquilo é uma possibilidade.

Recebo muitas mensagens falando sobre a minha voz e a minha aparência física, até quando é para elogiar. Faz parte do processo. A gente está desbravando, somos as primeiras a entrar nesse mercado, estamos abrindo essa mata fechada. As pessoas estranham, a sociedade é machista e não aceita. Vão te xingar, falar mal de você, é doloroso. Mas vamos apanhar neste momento para que outras lá na frente vivam diferente.

Renata Silveira ia com o pai desde pequena ao estádio de futebol - João Cotta/TV Globo - João Cotta/TV Globo
Renata Silveira ia com o pai desde pequena ao estádio de futebol
Imagem: João Cotta/TV Globo

Amor por todos os esportes

Nasci no subúrbio do Rio de Janeiro, e minha geração brincou na rua, pulando muro, jogando queimada. Na minha escola, a educação física era muito valorizada e era minha matéria favorita. Sempre joguei basquete, handebol, amo todos os esportes. De futebol eu sempre gostei, mas nunca tive muita habilidade. E amo dançar também. Aos 3 anos, minha mãe me colocou na academia de dança. Fiz balé, jazz e sapateado, que é a minha especialidade. Hoje tenho uma escola e sou muito feliz por poder conciliar as duas paixões.

Nas redes, como agir?

Queria até falar mais, mas é preciso ter cuidado. Às vezes, eu escrevo alguma coisa no Twitter e dá tanta repercussão que eu penso que não deveria ter escrito. Queria que as redes fossem um lugar onde as pessoas se respeitassem, mas é totalmente diferente. Por outro lado, trabalho com isso e sei que tem milhares de pessoas que querem saber as minhas opiniões, que estão lá para dialogar. Além disso, o futebol não é um mundo à parte. Ele representa a nossa sociedade, fala muito do que a gente vive hoje, está tudo interligado. Então é importante falar de tudo o que está acontecendo.

Parada cardíaca em campo

O jogo entre Dinamarca e Finlândia, em que o Eriksen teve a parada cardíaca em campo. foi a transmissão mais importante que eu fiz até hoje. Porque, por mais que tenha sido um episódio negativo, aprendi muito. Eu não estava preparada para narrar aquilo, foi muito tenso. A gente ficou quase duas horas no ar sem saber o que ia acontecer. Teve o desmaio, aquela tensão, os primeiros cinco minutos... Não sabíamos se ele ficaria bem, se sobreviveria. A imagem era muito forte. E foi preciso cautela, porque todo o mundo estava acompanhando, querendo saber as notícias, e eu não podia me precipitar. Fiquei bem nervosa nos minutos iniciais e aí a transmissão voltou para o estúdio.

Eu tinha que estar serena, mas nessas horas a garganta seca, dá vontade de chorar, porque você tem empatia por aquela pessoa. Estava com o Paulo Nunes e a Ana Thaís Matos, mas tínhamos um time enorme por trás. Se eu fui elogiada depois, é importante que as pessoas saibam que eu não fiz nada sozinha. Toda a equipe fez total diferença. E o final foi feliz. Muitas pessoas me conheceram e passaram a gostar do meu trabalho por causa desse episódio.

Dança e resiliência

Acredito que a experiência na dança me ajuda muito [a lidar com os imprevistos do futebol ao vivo]. Subir num palco, diante de uma plateia enorme, perder o medo, ter desenvoltura. Faço tudo isso desde criança e acho que me transformou em uma mulher mais resiliente, que não desiste com facilidade, é forte e sabe lidar com essas situações. É muito da minha personalidade, mas também pela vivência que eu tive no esporte e na dança desde muito cedo.

Um sonho que parece bobo

Tenho dois sonhos. O primeiro parece bobo, todo o mundo já fez isso, menos eu: narrar um jogo em um estádio. Nunca fiz por causa da pandemia e das restrições. Mas neste ano provavelmente voltaremos. O outro é trabalhar numa Copa do Mundo. Não sei se já na próxima, não estou criando expectativas, mas sei que minha hora vai chegar.