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Débora Miranda

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Venus, Serena e Beyoncé: por que 'King Richard' é um filme de mulheres

Serena (Demi Singleton) treina com a mãe (Aunjanue Ellis), em "King Richard" - Reprodução
Serena (Demi Singleton) treina com a mãe (Aunjanue Ellis), em "King Richard" Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

13/02/2022 04h00

"Ele talvez seja uma das pessoas mais incompreendidas do mundo." É o que Will Smith diz sobre Richard Williams, pai das jogadoras de tênis Venus e Serena Williams, e personagem interpretado por ele no filme "King Richard - Criando Campeãs".

A produção, em cartaz na HBO Max, volta seu foco para o controverso pai das duas estrelas do tênis e para como ele as conduziu ao sucesso, a partir de um projeto rígido de treinos e muita dedicação desde a infância. Na história, Richard desenha um plano de carreira para as meninas desde seu nascimento e o segue à risca, não importa quão adversas sejam as situações que cruzam seu caminho.

Apanha frequentemente de integrante de gangues tentando proteger as filhas, enquanto treinam nas quadras públicas de Compton, na Califórnia —lar do hip-hop e de artistas como Dr. Dre e Kendrick Lamar. Falador afiado, circula por luxuosos clubes da região tentando fazer com que algum técnico profissional veja o talento das meninas e as treine. Garante que elas estudem e que vão à igreja. E se reveza com a mulher, Oracene (Aunjanue Ellis), em jornadas de trabalho dia e noite para sustentar as cinco filhas em uma casa humilde.

Richard (Will Smith) e as filhas Venus (Saniyya Sidney) e Serena (Demi Singleton) - Reprodução - Reprodução
Richard (Will Smith) e as filhas Venus (Saniyya Sidney) e Serena (Demi Singleton)
Imagem: Reprodução

Único homem entre as seis mulheres da família, Richard conduz a trama —baseada, obviamente, em fatos reais— com convicção, resiliência e frases de efeito (algumas até chocantes, como quando diz à jovem Venus, recém-derrotada, que ela será a número 1 do mundo e que sua irmã, Serena, será a maior da história do tênis).

Apesar disso, "King Richard" é um filme de mulheres. Mulheres fortes, confiantes, dedicadas, orgulhosas, humildes e MUITO VITORIOSAS. É curioso perceber como na história Richard é retratado como esse grande líder dos Williams, respeitado pelas mulheres que, na maior parte das vezes, silenciam diante de suas decisões (muitas até meio amalucadas para o momento). Ele é pouco questionado e, conforme a história se desenrola, é tomado como um visionário.

A primeira a enfrentá-lo é a própria mulher, que discorda de muitas atitudes que ele tem com relação às filhas. E, a certa altura, lembra o companheiro que o caminho do sucesso não foi trilhado apenas por ele, mas por ela também —embora faça menos questão de aparecer e de colher os méritos por isso. Ela também sempre treinou com as meninas e trabalhou em turnos infinitos para garantir a comida na mesa da família. E é quem o leva a enxergar que é preciso dar autonomia a Venus e Serena para que decidam os rumos de suas carreiras.

E embora Richard tenha garantido bases sólidas na formação das filhas, inclusive levantando sempre as incômodas (para dizer o mínimo) questões raciais que pairam sobre o elitista e predominantemente branco universo do tênis, foram Venus e Serena que entraram em cena para transformar essa realidade.

Venus, a mais velha das duas, foi um dos principais nomes da luta por equidade de prêmios entre homens e mulheres no tênis. E sua trilha foi seguida por Serena, que durante toda a carreira vem escancarando discussões raciais e feministas (há, inclusive, uma série documental sobre ela, "Retrato de Serena", na mesma HBO). Ambas sempre falaram da importância de ser referência para outras garotas negras que sonhavam em jogar tênis.

Venus e Serena são exemplo para tantas meninas e mulheres também pela proximidade e amizade que sempre mantiveram, mesmo quando foram adversárias em quadra.

As filhas de Richard, que assinam a produção deste filme e são mostradas sempre respeitosas e quietas diante das decisões controversas do pai, acabaram por ser tornar uma dupla tão vencedora quanto questionadora, disposta a mudar do mundo. E não só o do esporte.

Não fosse assim, afinal de contas, seria Richard hoje considerado esse rei em que o filme o transforma?

"King Richard" foi indicado a seis Oscars, incluindo melhor filme do ano, melhor ator para Smith, melhor atriz coadjuvante para Aunjanue Ellis e melhor canção para Beyoncé e Dixson. Sim, Beyoncé. Apenas mais uma mulher forte e incrível para embasar a minha teoria de que, sim, esse é um filme de mulheres.