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Fabi Gomes

Quão bonita é a sua pepeca?

Imagens da Macha das Mulheres em Toronto (à esq.) e Nova York, em janeiro de 2018 - Getty Images
Imagens da Macha das Mulheres em Toronto (à esq.) e Nova York, em janeiro de 2018 Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

07/09/2020 04h00

E então, gatinha, tá feliz com a sua pepeca? E seus parceiros ou parceiras, o que acham dela? E a sociedadji? O que diz a sociedadji sobre a sua pepeca?

Opa! Espera um minuto. A sociedade precisa ter uma opinião sobre sua pepeca? Vamos seguindo o baile aqui pra tentar entender.

Acho que, antes mesmo de a gente caminhar em direção à beleza da nossa "amiga", talvez pudéssemos começar por essa nomenclatura tolinha, infantilizada. Por que ainda é tão difícil nomearmos com naturalidade o órgão sexual feminino?

Quais possíveis associações podem ser feitas a alguns dos neologismos empregados para se referir a essa parte do corpo da mulher? Perseguida, periquita, florzinha, perereca — quase sempre nominhos fofos e associados ao universo infantil.

E quando se usa, por exemplo, a palavra "buceta"? Faz-se um pesado silêncio no ambiente. Que palavrão! Em comparação, palavras para denominar o pênis são amplamente utilizadas e aceitas na sociedade, até mesmo entre os defensores da moral e dos bons costumes.

E muitas vezes elas servem para atribuir grandeza ou potência a algo: "Nossa, o show foi do caralho!", "Esse restaurante é pica demais!", "Esse livro é bom pra cacete!". Nunca nada é "da buceta" ou "pra buceta". Isso não. Sempre do caralho e pro caralho. É falocentrismo que fala? (Ou melhor, falo?)

Na sequência do estudo de substantivos, vamos dar só uma passadinha rápida na classe de anatomia, pra gente ficar na mesma página antes de eu chegar onde quero.

Se ainda existirem dúvidas, vulva e vagina são coisas diferentes. A primeira é o que está por fora: grandes e pequenos lábios e o nosso amigão clitóris (se ele ainda não é seu amigão, você precisa dar um aconchego nele e fazer um carinho, pois ele costuma ser muito receptivo). A segunda compreende o que está por dentro. É o canal que recobre o colo do útero e se abre na vulva.

"Oi, linda, você vai falar do que hoje, afinal? Sexo? Psicanálise? Pedofilia? Não era pra tá falando de beleza?" Nossa, é mesmo. Acabei me perdendo de novo em divagações aqui. Voltando ao tema do dia.

Sim, senhoras, agora parece haver padrões de vulva e de vagina a serem seguidos. E aí a gente pode discutir mais um padrão de beleza para mulheres, né?

Para quem não sabe, nos últimos anos, um sem fim de procedimentos vêm sendo disponibilizados e realizados nos consultórios médicos para modificar características da genitália feminina.

Quando pensei em escrever esse texto, eu tava com algumas convicções sobre os procedimentos puramente estéticos. Mas meu pensamento me levou, como de costume, para um lugar questionador. Nutrida, então, pela curiosidade, fui tentar entender alguns deles. Para tanto, conversei com a ginecologista Elsa Aida Gay de Pereyra.

Com um currículo extenso na área, é atualmente médica Doutora do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia e Coordenadora do Ambulatório de Sexualidade Humana na Clínica de Ginecologia do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da USP. E ela me deu uma aula sobre os tais procedimentos.

O ponto aqui é: sim, vários deles não dizem respeito à estética. Estão ligados à saúde física e também à saúde mental da mulher, já que tocam em pontos ligados à autoestima, que podem interferir na satisfação em relações sexuais. Eles melhoram significativamente a funcionalidade e sustentação de importantes estruturas, e as mulheres podem se beneficiar dessas operações em diferentes momentos da vida, como o pós-parto ou em casos de terapias de bloqueio dos ovários em tratamentos contra o câncer de mama.

Em resumo, dra. Elsa me disse que, mais do que seguir a linha de pensamento da estética, parece que o grande lance das intervenções é explorar o conceito de funcionalidade da vagina.

Mas isso não me afasta (de forma alguma) de levantar as questões que eu queria trazer para a coluna de hoje. Por isso, depois de trazer a visão médica positiva sobre os procedimentos na vagina, retorno para as provocações que me trouxeram até aqui.

Meus balões de dúvidas iniciam sua subida quando noto que parece haver um movimento pregando a existência de uma única estética aceitável. Um determinado tipo de xana, que, em linhas gerais, precisa ser sempre jovem, lisa e clara. Qual é o ponto aqui? Muitos símbolos a serem discutidos.

Não é novidade que existam muitos mecanismos de controle na sociedade, alguns sutis e outros mais explícitos. Portanto, é preciso estar sempre vigilante. Aqui, talvez uma das grandes responsáveis pelo culto à pepeca rosa, pelada, carnuda e apertadinha seja a indústria pornográfica (e seus consumidores).

Quem são essas pessoas? Perversos que vivem em grutas secretas debaixo da terra? Hmm, acho que não, né? Se pá, tem algum mais perto do que você imagina. E, a partir disso, proponho outro raciocínio: quem tem essas características na xoxota? Essa indústria e seus consumidores incitam e promovem essa estética, raramente incluindo xotas reais, xotas como a sua e as das minas ao seu redor.

Os títulos de filmes e vídeos são um caso a parte. Um caso de polícia, eu diria. É toda uma profusão de novinhas isso, novinhas aquilo, e teens por toda parte nas chamadas, reforçando o padrão. E não tô falando da "deep web", não. Tô falando daquele Tube Vermelho logo ali à mão.

Essa pressão estética acaba levando muitas mulheres a buscarem cirurgias plásticas, reconstruções, mutilações e "desconfigurações" dos próprios corpos, mais uma vez para atender a um padrão estético imposto por uma sociedade que não está preocupada com o bem-estar feminino.

Pra encerrar, como já é uma tradição nossa, gostaria de propor a boa e velha reflexão. Há mesmo um padrão relacionado às regiões íntimas da mulher? Ele precisa existir? Quem instituiu e quais as razões disso? Como esse padrão pode afetar nossas vidas e em quais níveis? Estamos felizes ou não com nossas características? Se não, por que não?

O grande ponto, mais uma vez, é: precisamos ter o direito de escolha sobre o que queremos ou não fazer com nossos corpos. Ninguém tá autorizado a falar que a sua amigona é errada, feiosa, derrubada, fedida, peluda, grande demais, pequena demais, escura demais. Se algo te incomodar nela, pense no motivo por estar te incomodando. Se quer mudar, pense em por que quer mudar e como essas mudanças vão interferir na tua vida.

E para conhecer e acolher outras vulvas, dá uma passeada descompromissada no perfil @the.vulva.gallery, @vagina_museum, @mydearvagina e @ishowflag_isback no Instagram. Busque a obra do artista britânico Jamie McCartney intitulada "The Great Wall of Vagina". Observe quantos "modelos" existem e sinta o poder da representatividade. Quanta diferença. Viva a diferença!