A sunga verde de 900 mil seguidores, ou como funciona a autoestima do homem
Pantanal ardendo em chamas, o corona continua matando no mundo todo, a economia sofrendo... E, no meio disso tudo, um dos assuntos mais falados da semana que passou foi a bagagem do cantor sertanejo Zé Neto. Não, não estamos tratando aqui da bagagem artística, intelectual ou de vida do moço. Estamos falando dos seus documentos, suas partes íntimas, segundo o próprio, sua rola [sic]. Eu não acompanhava nem a vida, nem a carreira e nem a mala do cantor.
Fomos apresentados essa semana, quando, a partir de uma busca no Google, me deparei com a notícia: "Instagram derruba foto de Zé Neto com volume em sunga: Conteúdo impróprio". Fisgada pela notícia, fiquei curiosa e fui assuntar. Como disse, não conhecia o moço. Entrei no perfil e fiquei surpresa ao ver os mais de 100 mil comentários com piadas e gracejos de todo tipo, boas e ruins. Me diverti a valer com alguns comentários. Impressionante a criatividade do brasileiro! Envolvida com repercussão, fui procurar saber mais sobre o causo. E, olha, a coisa toda não para nos comentários.
O cantor ganhou mais de 900 mil seguidores com a publicação. E, aproveitando a publicidade em torno de seu nome, a dupla a qual o pintudo em questão pertence correu e já lançou um clipe novo. O moço aproveitou a oportunidade para se vangloriar e fazer piada com toda celeuma. Inclusive, fez questão de nos informar que estava naquelas proporções - mais ou menos do tamanho de uma baguete (para dar uma medida factível), porque estava com frio.
A expressão "Queima, quengaral!!!" nunca fez tanto sentido... Fiquei pensando: o cara é cantor, né? E essas 900 mil pessoas? 900 mil pessoas! Quanto dá isso? Onde cabem 900 mil pessoas? Num estádio? Essas pessoas passaram a seguir o cantor pra ver mais de perto seu microfone? Tavam alheias ao seu talento todo esse tempo e decidiram que deveriam começar a segui-lo a troco do quê? Esperando mais imagens ou subitamente começaram a gostar das músicas que ele faz?
Eu sei, seria hipocrisia ser pudica aqui no país do Carnaval. Ainda mais depois de eu mesma ter pedido a liberdade das xoxotas em outro texto. Adoramos exibir nossos corpos e observar os corpos dos outros. O caso aqui não é esconder ou reprimir, é garantir que todo mundo esteja no mesmo barco, podendo ser feliz e demonstrar confiança no próprio corpo.
Vale muito a pena observar as diferentes reações do público quando homens mostram seus corpos e quando mulheres mostram os delas. Até no que diz respeito às diretrizes da mídia na qual a foto foi publicada, o Instagram. A princípio, a plataforma derrubou a foto do cantor com sua pochetona, possivelmente motivada por denúncias dos usuários.
Depois, voltou atrás da decisão e a publicou novamente. Intrigada, meu pensamento me levou à perseguição aos mamilos, que precisam ficar escondidos. Sempre me perguntei as razões... mamilo de boy pode aparecer, tá tudo bem, mas mamilos de mulher são quase como uma violenta afronta, uma heresia. "Ora, pelamor, garota! Mas as mulheres têm o volume". Ah é, o volume! Tem razão, não faz sentido, não dá pra ficar expondo tetas volumosas nas mídias... Eita, mas pera aí. Me ocorreu agora: não foi volume o grande gatilho da foto do cantor? Não foi o volume a grande mola propulsora da notícia que ganhou mais atenção dos brasileiros do que o Pantanal virando cinzas?
Conversando com um amigo sobre o tema, veio a dúvida - mas e se fosse uma mulher pública mostrando o capô de fusca bem marcadão no maiô? Faria sucesso também? Sim, provavelmente faria. Mas e os comentários? O que seria que viria dali? A mulher também se sentiria confortável em se gabar, fazer festa a partir da repercussão? Ou seria reprimida e sentiria vergonha? Gaby Amarantos escreveu em seu Instagram:
"Quando eu posto foto da minha anatomia feminina de biquíni, perco seguidores, mas quando o moço sertanejo posta foto de sunga com o pa* marcando ele ganha 200k. Nada contra a pessoa, que parece ser ok. Apenas reflitam, a gente só quer poder ser livre e ter os mesmos direitos".
Errada ela não tá. Porque as pessoas ainda acham que têm direitos sobre os corpos das mulheres? Que podem naturalmente atacar mulheres com comentários odiosos? Porque a genitália feminina é sempre associada com algo asqueroso, que deve ser mantido longo do alcance dos olhos, a não ser que mostra-la seja do desejo de um homi?
Não é por acaso que o Dr. Freud criou aquele método superinteressante, que trata desse e de outros assuntos que nos norteiam. Pensa que, desde pequenos, os meninos se divertem muito fazendo desenhos de pauzinhos em todos os lugares - cadernos, muros, paredes, anúncios. Quanto às meninas, não sentem essa necessidade, ou seriam tolhidas nesse desejo? Ou talvez ensinadas desde pequenas a não tocar na própria genitália? Imagina povoar paredes e superfícies com essa imagem!?
Já adolescentes, meninos continuam a dar vazão ao seu talento artístico para o desenho, e passam a desenhar a jeba até sobre fotos de mulheres. Se estiver posicionada na boca da mulher, então? Nossa! Que engraçado! Afinal, é ali o lugar do pau. Para além do que acontece de divertido entre quatro paredes, impossível não associar a imagem ao silenciamento da mulher, ao melhor da cultura do "cala a boca e chupa".
Falocentrismo, egocentrismo, narcisismo, machismo, megalomania, dá para encher páginas e páginas para tentarmos entender juntos esse fascínio e de como somos norteados pelo tema.
Pra encerrar, achei que seria bom mirarmos noutro assunto relacionado. Ainda que os conservadores neguem (pagando e fazendo os que os cercam pagar um alto preço psíquico por tal negação) o tema também movimenta as massas: sexo. No fim das contas, o assunto é sexo, certo? Todas essas imagens de genitálias nos remetem ao sexo. O que rola (desculpem o trocadilho barato) é isso? Arrasar no sexo?
Arrasar pra quem? Pra si próprio? Porque, olha, meu bem, se pudesse mandar um recado pros machos alfa de plantão (falando dos heterossexuais, classe a qual infelizmente pertenço): nas rodas de mulheres que gostam de virar o zoinho pra valer, daquelas que gostam de tremer, morrer e ressuscitar de prazer, esse negócio de pauzão não é determinante, não. Até porque, como pudemos ver, e generalizando bem, homens bem-dotados são, quase sempre, dotados também de uma autoestima cega. Entendem pouco (ou quase nada) sobre o corpo da mulher.
Estendendo para o prazer feminino, então, avemaria. Dá até desgosto! A ponto de, quando a gente encontra um boy que é capaz de reconhecer e apertar todos os botões que põem fogo no parquinho, dá vontade de pedir para que desenvolvam workshops e treinamentos para os outros de sua espécie. Faz um vídeo no Youtube pra ensinar teus amigos? Você ficaria rico!
Educação sexual, aceitação e respeito. Não há outro caminho, se quisermos manter uma relação mais saudável e igualitária com nossa sexualidade, corpos e mentes.
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