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Fabi Gomes

Monocultura digital: Você está se sentindo um trouxa das redes sociais?

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colunista do UOL

20/10/2020 04h00

Você acha que há manipulação na internet? Acredita que o algoritmo ouve e vê tudo que você faz, pra te induzir a fazer ou comprar coisas e ideias? Imagina que esse processo é controlado por uma espécie de entidade superior ou conluio de empresas interplanetárias?

Você sente uma espécie de desejo incontrolável de estar todo o tempo com o celular na mão, checando-o repetidas vezes, numa espécie de carrossel do terror? Não entende como se passaram duas horas e você, que tava ali naquela tela vendo vídeos fofos de bebês, pandas e cachorrinhos fazendo trapalhadas, de repente tava num carrinho com uma oferta imperdível, comprando algo que, de maneira alguma, você precisaria naquele momento?

Sente ansiedade nos ambientes onde "não pega bem ficar com celular o tempo todo nas mãos"?

Pois é, não sou profissional da área de saúde, mas, pelo que tenho lido, visto e ouvido e pela experiência de vida, parece que temos um diagnóstico de vício. Já que fica meio evidente que "a coisa" nos controla e não o contrário. No plural, porque me incluo nessa configuração.

Recentemente, foi lançado o documentário "O dilema das redes", que trata do tema. Outras produções já abordaram o assunto: "Eis os Delírios do Mundo Conectado", "Sujeito a Termos e Condições", "Privacidade Hackeada", entre outros.
E basicamente a historia é a mesma: "a internet isso, a internet aquilo" e "estamos sendo manipulados".

Vou dar um chute. Acredito que a internet não deva ir a parte alguma, a não ser pra frente, avançando cada vez mais potente e presente nas nossas vidas. Então, ferrou?! Vamos ser dominados mesmo? Seria o fim da aventura humana na Terra, minha pequena Eva?

Hmm... pera lá. Sim, somos muito manipulados, não resta dúvidas. O tempo todo. Mas não foi sempre assim?

O lance é que agora somos digitalmente manipulados. Na minha modesta opinião, o documentário "Dilema das Redes", por exemplo, traz verdades, sim. Mas traz também apenas um lado da história e exime o usuário de qualquer responsabilidade. Então, esse é o fim de tudo? Vamos ser manipulados e depois extintos pela tecnologia? Quer dizer que, no melhor estilo "Blade Runner", seremos perseguidos por ciborgues e fim?

Se for esse o caso, quero ser perseguida por Daryl Hannah e Rutger Hauer. Ou, pra dar uma referência mais atual, nos tornaremos trans-humanos como a Bethany da série "Years and Years"?

Mas e você? Cadê você no rolê? Teus gostos, preferências, olhares, curiosidade, interesses? Não tem nada? Nesse contexto, somos apenas levadões mesmo pelos janotas lá do Vale do Silício? Não estamos implicados, a não ser como patéticos ventríloquos? Que bosta, hein?! Que morte horrível!

Acredito muito que há mais coisas entre a tela e a realidade do que julga nossa vã filosofia. Mas acredito, também, que com um pouco de leitura e interesse, a gente aprende a, se não manipular, gerenciar a manipulação vinda de lá. Ou a gente se mata no mundo digital ou acha uma maneira de sobreviver com dignidade, sem sermos levados pra lá e pra cá como ratos de laboratório. Claro que a gente vai entrar em várias gaiolas, mas vamos aprender a arrebentar outras tantas!

Uma reclamação constante é sobre o Instagram e o tanto de perfeição que vem dali. Casas perfeitas, vidas perfeitas, belezas perfeitas, corpos perfeitos, ideias perfeitas. Ué, dá uma olhada pra tua lista de "seguindo" e refresca essa bagaça.

Desbravando a mata da beleza, por exemplo, só aparece maquiagem fotochopada no teu feed? Para de seguir contas com essa característica e comece a seguir umas de jardinagem, de bricolagem, artesanato... sei lá. Só toma cuidado pra não acabar comprando uma bromélia sem querer. Pesquise contas bizarras, inusitadas. Dá unfollow em contas que te causam ansiedade e te contam mentira demais.

As contas que tratam de beleza são especialmente perigosonas. Abram os olhos! Presta atenção se aquele tipo de beleza ou maquiagem pode ser vista na vida real, nas ruas. Olha ao redor. Quantas pessoas sem poros você já viu por aí?

Bocas e delineadores recortados na faca, quase que como um cartoon, incentivam a coisa do ideal e da perfeição, além de quase sempre serem mentirosas e manipuladas. Cultivam o padrão de beleza inalcançável pela maioria dos mortais. Não ajudam em nada em nenhum possível aspecto.

Fotos manipuladas digitalmente deveriam ser obrigatoriamente sinalizadas e marcadas com menção ao tratamento digital. A maquiadora Magô Tonhon criou a hashtag #sinalizaoretoque e sempre traz à tona a necessidade de se apontar o tratamento nas fotos. Existem contas que só postam fotos depois de submetê-las a pelo menos três aplicativos diferentes de tratamento. Fora a produção da foto, né, gente?

Lembre-se que há duas telas de distância entre você e aquela imagem. Quase sempre, nada é dito sobre o behind the scenes - a iluminação utilizada ou poses estáticas que valorizam uma determinada estética. Modelos de visual pasteurizado, que parecem vindas de uma linha de produção obediente à tal harmonização facial.

Não estamos obrigados a ver isso passivamente. Deleta, foge!

Há mil maneiras de libertação. Curte arte? Vá pra além dos museus, stalkeia teus artistas favoritos, veja quem eles seguem. Tenta fazer o exercício de seguir a referência da referência. Garanto que aquela área de sugestões do aplicativo será revigorada.

Pra plantação crescer bonita e saudável, Precisa revolver a terra, deixar oxigenar. Regar, mudar o cultivo. É mais que sabido quão nociva a monocultura pode ser para agricultura. Não é diferente com as ideais, nem com o puto Instagram.

Acreditar numa vida entre iguais, sejam pessoas, estilos, habitações ou comportamentos, é uma crença pobre do ponto de vista da troca. Se todos à minha volta pensam e se parecem comigo, permaneço estagnada. Nada de novo me atravessa, me provoca. Num mundo cada vez mais departamental e que incentiva a produção de especialistas, um dissidente pode ser valioso.

Pra quem se interessar sobre a toxicidade das redes, vale a pena consultar alguns livros sobre o tema: "Acredite, estou mentindo: confissões de um manipulador de mídias", de Ryan Holiday, "O Filtro Invisível", de Eli Pariser, e "Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais", de Jaron Lanier, um dos entrevistados no documentário "Dilema das Redes" e um dos pioneiros da realidade virtual.

Passou da hora de a gente acordar deste sonho encantado. A vida cobra, maluco!