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Fabi Gomes

O varejão da depressão: a saga por crush em apps de relacionamento

Getty Images
Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

18/11/2020 04h00

Você já deu um peão, um pivot, um rolê, uma olhadinha nos aplicativos de relacionamento? Vale muito a pena. É uma excelente amostragem antropológica da sociedade atual e diz muito sobre para onde caminha a humanidade.

Se você nunca se aventurou por tais pairagens, vou tentar dar um overview do que rola (com o perdão do trocadilho erótico) por lá.

Pra começar nossa conversa, vale dizer que existem diferentes apps, e cada um com ligeiras diferenças de funcionamento e público. Mais adiante, vou citar alguns. Até aqui, nada muito diferente dos bares e clubes.

Vou trazer a perspectiva do que uma pessoa interessada em boys vê nesses lugares, taokei? Significa dizer que, basicamente, estarei falando dos boys cis, que ainda são maioria ali. Homens trans, bissexuais, heteroflex, menines têm aparecido em alguns deles, sendo sempre uma lufada de oxigênio na monotonia que se tornou a heterolândia.

Então, é isso: mentaliza o rolê no bar, só que na ponta dos dedos. Talvez a grande diferença seja o fato de que as pessoas já venham meio que como num cardápio, com as imagens editadas. Tem cardápios bem completos, que explicam desde os ingredientes utilizados no preparo, o tempo de cocção, como se deve apreciar o prato, o vinho que melhor harmoniza, e até indicações de digestivo. São os boys que vêm com pergaminho. Uma verdadeira tese de pós-doutoramento sobre quem é, desde a ancestralidade até como pretende criar os filhos que terão.

Eles vão te dizer no que trabalham e os próprios ideais. Muitos deles vão deixar claro, logo de cara, o que esperam de você. Aqui vão alguns exemplos:

  • Fumantes, podem apertar o X (descartar)
  • Se você estiver procurando por seguidores no Instagram, aperte o X
  • Se votou no fulano, nem pense!
  • Se está procurando marido, vaza
  • Se quer só sexo, aperte o X
  • Se tem ambição, não quero
  • Se é preguiçosa, tchau!
  • Mulheres fazendo biquinho sexy e mostrando demais o corpo, nem tentem

Toda uma exaustiva lista de do's and don'ts sobre como você DEVE ou não interagir ou mesmo se comportar. Que ano é hoje? Não seria mais simples ele dar like em quem de fato for o perfil dele? E se a outra pessoa curtir também, se pah, começar uma troca de ideias? Quem sabe um encontro... quem sabe mais, quem sabe menos.

Se você curte um rolê mais descolado, heterodoxo, com discursos budistas, muitas plantinhas, #elenao, esquerdomachos para desviar aqui e ali, melhor colar no OkCupid. Nele, as indicações sobre as preferências de relacionamento - poligamia, relacionamentos abertos, casais em busca de parceira para algo leve, gostoso e descompromissado - já vêm informadas.

Aliás, há muitos itens nesse app. Se você acredita em complementaridade, ali poderá inclusive saber o percentual de compatibilidade. Já pensou em encontrar a sua metade 96%? Pois é, aparentemente ali a coisa já vem assim meio pronta, meio mágica.

As fixações do homem mediano

Gostaria de fazer uma pausa nesse momento pra invocar o universo imagético e seus símbolos. Sempre me chama muito a atenção a fixação do homem médio em alguns elementos. Poderia passar horas analisando todos eles e pesquisando suas possíveis origens e significados.

Um ALTO, altíssimo percentual das fotos de perfil têm a seguinte composição:

  • Ócrão de sol, mesmo em ambientes fechados. Algumas vezes, em TODAS as fotos do lindo ele esta de óculos escuros. No app descolado, troque os óculos pelo violão.
  • Drinks nas mãos. Especialmente aquelas cervejas das garrafas verdes. Parece até publi. Vai ver é um tipo de mensagem subliminar, relacionada ao lance dos amores líquidos do Bauman... Sim, claro, no app prafrentex, nosso enfant terrible vai tá com um béki nas mãos ou nos lábios. De qualquer maneira, ele já deixaria você saber sobre tais hábitos, colocando a numeração 4:20 na biografia.
  • Fotos no carro ou na moto. No app dos santa cecilers, eles estarão de bike. Já os CEO's e empresários vêm montados num jet ski ou lancha. Ainda não vi nenhum em jatinho particular... Ah, mas em avião, sim! Também tem essa categoria.
  • Fotos na academia, treinando. Se for o app mais hippongo, o boy estará numa postura de ioga, preferencialmente de cabeça pra baixo. Os boy da Faria Lima, sentados no supino, de frente pro espelho, com uma roupa bem limpinha e com logotipos aparentes.
  • Fotos mostrando os músculos. Afinal, estamos no mercado!

Nos apps mais mainstream, você ainda encontrará muita foto com "joinha" e, uma novidade: com a língua pra fora. Sim, sim, como os adolescentes, numa emoção meio tiktokeana. Talvez pra sinalizar como ele é engraçado, descontraído e boa onda. Os boys do outro app estarão em poses mais introspectivas, às vezes com um livro na mão ou deitados numa rede, filosofando ou só fingindo estar dormindo mesmo.

Outro dado curioso: nunca vi tanto CEO e empresário como no Happn e no Bumble (o Tinder parei de usar, percebi que tudo tem limite...). Com tanto patrão no rolê, fico me perguntando sobre onde tão os funcionários todos? Ah, tão na labuta, né, Fabi?!

Reflexões e filosofia? Tem também

Já falei dos filósofos, poetas e profetas? Então, lá vai, algumas de suas pérolas:

"Que a vontade de ser feliz, seja maior do que se machucar de novo"; "Odeio mentiras, simples assim. Sem Bla bla bla!!! Nunca tinha entrado nesse tipo de aplicativo e sei que, em breve, você sairá daqui!" ; "Me encontra ou deixa eu te encontrar"; "Um dia me perguntarão - o que vc viu nela? E minha resposta será: o que faltava em mim"; "Um homem disposto a realizar a sua fantasia, pronto para servir ao seu desejo. Se quiser que eu seja um pedreiro, eu serei, um eletricista, também serei, ou se quiser que eu seja um policial, serei... estou aqui pra satisfazer a mim e a você! Se entregue". Ah lá o Cristian! Põe o look cinza e se joga!

A mais nova modalidade são as fotos com as máscaras. Aí formô, né, véio: máscara anti-covid, ócrão escuro e uma motona! O príncipe contemporâneo fazendo download na sua tela!

Há os que já escrevem ali na bio mesmo sobre como são sensacionais e, provavelmente, o grande amor da sua vida. Tem os sériões, brabos memo, e os que vêm com sorrisos de dentes tão apertados, que parece que vão explodir. Uma explosão de alegria... A oferta é grande e tem pra todos os gostos.

Algumas conversas são iniciadas, muitas abandonadas e, no fim, você chega a conhecer pouca gente. Dá pra encontrar amigos, amantes, namorados, maridos, casais para compor trisal.... mas olha, minha filha, a seleção precisa de uma boa curadoria, viu?

Segura essa dica

E preste bem atenção (um pouco de serviço agora): só marque o primeiro encontro em lugares públicos. Avise sempre alguém da sua confiança para onde está indo e com quem. Avise a pessoa (ou as pessoas) que está indo encontrar que seus amigos tão ligados no seu paradeiro.

Dê uma stalkeada no sujeito (sujeita) antes do encontro, pra se certificar de que a pessoa é mesmo quem alega ser. Não caia na cilada de ficar trocando ideia por meses sem um encontro físico. Kinder Ovo rola solto neste mundão. E tem um lance chamado catfish, dá uma gugadinha pra sacar a treta.

Ah, claro, você pode estar a fim só de sexting e a outra pessoa também, mas é legal que isso esteja claro entre as partes. Não compartilhe fotos ou vídeos com seus nudes mostrando sua cara (a menos que não se importe com a possibilidade de o material vazar).

Eita, tô me sentindo uma instrutora de apps. Mas vai lá mais uma importante: tenha seu drink sempre sob vigilância. Sem querer parecer muito paranoica, mas tem casos de drinks batizados e desdobramentos pavorosos. E, por fim, um conselho: vá SEMPRE com a expectativa rastejando. Nossa, que pessimismo... É só realismo, querida. Realismo empírico.