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Fabi Gomes

Que sobrancelha medonha, garota! Não tem uma amiga pra avisar?

sobrancelha - iStock
sobrancelha Imagem: iStock

Colunista do UOL

03/12/2020 04h00

"Fabi, antes d'eu começar a ler o seu habitual rosário de mimimi, só me diz uma coisa: Vai ter dica?" Vai, sim, lá no final. Então, ou você lê tudo, ou vai direto pra onde te interessa.

Todas as vezes que eu tenho alguma certeza sobre algum conceito ou ideia, eu fico aterrorizada, volto pra casa e espero a certeza passar. Digo pra mim mesma: volte ao início do jogo! Com beleza é assim, com maquiagem é assim, com sobrancelha é assim. Aham, vou tomar a liberdade de falar assim mesmo, no singular, que é como falamos no dia a dia, usando a linguagem coloquial, ok? Nem precisa encrencar com isso. Guarde a encrenca para outros temas. Segue.

Tudo é processo e tudo tem lados que permitem diversos olhares e interpretações. Como sempre, tô propondo apenas uma reflexão, não um doutorado sobre o tema. Se tiver alguma incoerência, talvez um historiador possa ajudar e falar melhor.

Não vamos fazer uma longa peregrinação histórica pelo excitante e polêmico universo das sobrancelhas. Mas acho que vale mencionar alguns momentos e dizer que elas sempre estiveram associadas a uma emoção, um sentimento. Elas levam o observador a criar uma imagem a seu respeito, a ter uma ideia prévia sobre você, além de serem um termômetro sobre o que tá rolando na sociedade.

Pensa no savoir-vivre dos anos 1920, na malemolência dos vestidos... Como eram as sobrancelhas femininas, e a que remetiam aquelas formas finas e arredondadas, sutilmente apontando pra baixo? Além da afirmação de feminilidade, da suavidade e da inocência, quase que como uma figura religiosa, tem também o lance do "levemente apontando pra baixo", né? Hum, talvez estivesse ligado à desproteção, à ideia de ela precisar de "alguém" para protegê-la.

Note que, nas fotos da época, as estrelas do cinema tão quase sempre olhando para cima, para uma providência divina ou talvez um salvador. É claro que não tô falando de gente à frente de seu tempo, como Josephine Baker, Mademoiselle Chanel e tantas outras. Tô falando de geral, num espírito do tempo.

Nos anos 1940, as sobrancelhas engrossaram, criaram corpo, ficaram graves. Tinha uma guerra rolando. Muitas mulheres precisaram assumir o papel de chefe de família (à época, eminentemente relacionado à figura masculina). As sobrancelhas refletiam esse momento, eram quase que como um escudo protetor, uma representação de força. Isso é o que referenciamos quando pensamos na época ou olhamos para as divas. Mas as mulheres comuns provavelmente tinham as sobrancelhas mais grossas por absoluta falta de tempo para cuidar desse aspecto. Certamente, a pinça era a última preocupação na ordem do dia.

No entanto, vale pontuar que as vendas de batons dispararam no mesmo momento. No Reino Unido, a produção de cosméticos foi interrompida. No entanto, Churchill permitiu que o batom seguisse sendo produzido. Segundo ele, "elevava o moral da população", conforme matéria do El País.

Sinto-me tentada a comentar mais profundamente a alegação da Vogue inglesa da época: "Agora, mais do que nunca, a beleza é seu dever". Mas isso é assunto pra outro momento. Voltemos às sobrancelhas.

Vamos dar um saltão lá para os anos 1980. Aquela profusão de fios desorganizados, uma sobrancelha selvagem, descontrolada e provocativa. Muita coisa tinha acontecido, como a criação da pílula anticoncepcional nos anos 1960 e a revolução sexual nos 1970. Era o momento da mulher ir a campo, buscar sua independência financeira, conquistar músculos e se tornar uma "power woman". Vale notar que isso tudo serve à mulher branca burguesa. Pra quem ainda tem dúvidas sobre as desigualdades sociais e culturais.

As sobrancelhas são elementos importantíssimos na beleza. Nos dizem sobre o momento histórico e ajudam o espectador a criar uma história sobre você ou mesmo um estereótipo.

Costumamos ser muito hábeis ao fazer isso: classificar pessoas. Rapidamente decidir se tá bom ou não, se presta ou não. Ah, cafona! Nossa, perfeita, diva. A coisa é que a gente sempre vai julgar segundo um aspecto subjetivo, sempre da nossa bolha. Quase nunca se considera ou se tenta entender quais razões levaram as pessoas a decidir por aquele determinado estilo ou estética. Fácil falar "nossa, que medonha essa sobrancelha blocada, parecendo símbolo de marca de esportes!"

Onde a moça que fez aquela sobrancelha tava mirando? De onde tirou a inspiração? Que condições teve para realizar o desejo?
Sabemos bem a fonte da sobrancelha extrema, caricata, marcadona. Sim, aquele espaço que amamos odiar: o Instagram! A rede abriu espaço para a ascensão da celebridade e influência das blogueiras, que popularizam a ideia de uma beleza sem falhas, controlada, construída, enfatizada por linhas e cores, com ares de cartoon.

Uma estética e tanto, que merece muitas análises semióticas, mas que profissionais de beleza, em geral, concordam que só funciona naquele ambiente. Um ambiente com iluminação profissional controlada e lentes específicas. A imagem propagada ali vem repleta de filtros e intervenções para que seja vista da maneira com a qual o produtor daquele conteúdo sonhou. Daí vieram os vídeos ensinando a fazer. Porém, ensinando a fazer "aquela sobrancelha", "daquele ambiente".

Ninguém te conta qual a leitura daquilo na rua, na vida real. Você não vai andar por aí com um "ring light" mudando os filtros conforme desejar, vai? Bem, talvez no futuro, sim, mas ainda não.

Pois é. Mas o desejo já foi criado e muita gente tenta reproduzir a estética, alcançar esse modelo. E, como eu disse antes, com as condições que cada qual possui.

Por isso, acredito que não cabe à cocotinha criada no leite julgar a sobrancelha da moça do mercado. A mesma cocotinha que tava há três anos com muita fé no carvão e tacando o pau na sobrancelhona, claro que feita pelos melhores profissionais, com os melhores produtos.

Agora, a linda que está sempre atualizada com as últimas tendências percebeu que a beleza natural e a celebração da individualidade se tornaram assunto. E, como tem acessos, pôde inclusive fazer um laser para apagar a sobrancelha definitiva que tinha desenhada na cara. Como eu disse em entrevista à maravilhosa Isis Virgílio para revista Elle Brasil, acredito que nos guiamos muito por um padrão eurocêntrico e normativo. Hoje em dia, apenas e tão somente orientado pelo que acontece no Instagram. Tem um mundo lá fora. Olha ao redor e tenta criar uma história para a vida daquela pessoa antes de proferir teus julgamentos estéticos. Aqui, um trecho da entrevista:

"Fabiana Gomes, veterana do mercado de beleza brasileiro com 17 anos de experiência, por sua vez, desafia esses conceitos e os quebra com a dicotomia "natural X micropigmentação" que acontece hoje. "Muitas vezes, a gente fica fixado em um padrão eurocêntrico idealizado pela classe A e B, mas quando se trata de tendência, precisamos incluir mais mundos", argumenta.

"Tudo é político, desde o que a gente come até a nossa sobrancelha. Eu sempre digo, quando falo de maquiagem, que ela tem um poder discursivo. É mais do que o que está à mostra. Tem uma camada social e uma camada cultural também", diz antes de citar a sobrancelha na régua tão popular nas periferias de todo o Brasil, mas que, por vezes, fica ofuscado pelo debate maniqueísta entre o natural e o demarcado agressivamente."

Agora, vamos focar em você, que já não sabe mais pra onde ir com as suas sobrancelhas. Antes de fazer intervenções severas e definitivas, pense bem: o que tá te levando a fazer isso? Tenta experimentar com maquiagem antes. Num outro trecho da mesma entrevista, falo um pouco sobre isso:

"Se você for pensar que as sobrancelhas são molduras, elas servem para quê? Ela pode te aprisionar, te delimitar? Pelo caminho da experimentação, da curiosidade, da piração, você pode chegar em resultados que são lidos como bizarros ou, até mesmo, errados? Mas eu acho isso lindo. Acho muito legal que essa sobrancelha possa também provocar, intrigar. Por que não?"

Se você não tá nem aí pra esse negócio de experimentação e quer passar longe de conceito, provocação ou tendências efêmeras, sugiro que pegue uma foto tua na qual ainda não tivesse manipulado muito a sobrancelha. Ou tente lembrar como ela era naturalmente. Pronto, repete isso com maquiagem. Há uma infinidade de produtos no mercado, como lápis, delineadores, sombras e máscaras, que podem te ajudar com isso.

Se tiver certeza do formato que quer e encontrar um profissional sensacional, com sensibilidade e que te escute, acho que vale também a micropigmentação. Tem gente muito boa no mercado, que alcança resultados surpreendentes. E o melhor, o efeito não é definitivo. Ou seja, se você mudar de ideia, tá tudo bem. Tem como voltar atrás ou mesmo pirar o cabeção numa sobrancelha conceito. Pensa que nada é definitivo e a gente sempre pode mudar de ideia.