Olheiras estão na moda - mesmo que sejam fake. Mas será mesmo?
Há 10 dias fui chamada a opinar acerca de uma tendência que estava tomando a internet de assalto: "produzir olheiras com maquiagem". Como na semana passada prometi aqui na coluna que falaria sobre isso, aqui estou.
A onda começou no TikTok, essa rede social que merece atenção enquanto produtor de virais e, claro, lançador de tendências da juventude. Vale lembrar que tem muita, mas muita gente mesmo que não tem a menor ideia sobre o que é isso de TikTok. Mas beleza, tamo olhando pra esse recorte específico, não é mesmo?
Aí já vale abrir uma brecha questionadora aqui pra gente. A inovação, sabedoria e o frescor das ideias vêm sempre dos jovens, é? A partir de quando a gente passa a não valer mais enquanto novidadeiro?
Voltando ao tema, gostaria de começar pelo fato de que realmente não vejo essa manifestação como naturalização e aceitação das olheiras. As olheiras em questão estão sendo produzidas sobre um rostinho bem, mas bem maquiado.
Ou seja, todo o resto está perfeitamente controlado e dentro do padrão. E, como eu disse na entrevista aqui para Universa, um padrão eminentemente branco e que não mostra nenhuma, absolutamente nenhuma diferença quanto aos padrões estéticos hegemônicos aos quais somos expostos há tantos anos. Meninas brancas, jovens, olhos amendoados, narizinho de princesa, bocão carnudo, pele de alabastro, sem rastros de falhas.
Aí, com um suposto discurso de aceitação, bem apropriado ao momento no qual tanta discussão necessária sobre o tema vem sendo colocada na mesa, essas meninas vão lá e tacam uma olheira no "look".
Fico pensando: se estamos de fato na esfera da aceitação da beleza natural e das nossas características (acho que, por questões de coerência, não cabe chamar de imperfeições, né?), por que criar uma olheira num rosto todo maquiado? Não seria o caso de diminuir um tanto as quantidades de produto e deixar a olheira se revelar?
Então, se olhar mais tecnicamente, na real, a coisa toda não é sobre auto-aceitação, mas sim sobre explorar as infinitas e excitantes possibilidades que a maquiagem oferece. Certo?
Mas não trago apenas críticas. Ainda que a manifestação surgida no Tiktok não tenha sido exatamente a mais honesta, ela teve força suficiente para influenciar pessoas e despertar um olhar mais "carinhoso" sobre as olheiras. E isso se revela na avalanche de comentários de pessoas dizendo que finalmente estavam na moda, como "chegou meu dia" e "até que enfim estou na moda". Por isso, pago pau. Só por isso. Nada mais.
Só que esse lance de revelar olheiras já rola há algum tempo nas passarelas e editoriais. Ou seja, a tal tendência nem é de toda nova.
Lembram das "heroin chics" da década de 90? Pois é. Claro que tinha todo um contexto ali de referir essa estética de modo provocativo a uma ideia de visual adoentado. Eram todas muito pálidas, magras e com... adivinha? Olheiras, remetendo à imagem a de uma viciada. Não vou entrar no mérito, nem no contexto histórico, muito menos se a moda é mesmo doente ou não.
Para quem se interessar, vale a pena pesquisar as contradições existentes entre os amantes e detratores da tal estética heroin chic. O fato é que as cadavéricas estavam na moda, enquanto as supersaradas saiam de cena.
Produzir olheiras também é um recurso muito usado na caracterização de atores. O que quero dizer é: não, não estamos presenciando algo revolucionário, inédito ou vanguardista.
Agora, precisamos observar se realmente as pessoas vão se sentir mais à vontade deixando isso e aquilo sem tanta cobertura. E por "pessoas", refiro-me aqui às que tinham o hábito de se valer de grandes quantidades de produto para camuflar qualquer aspecto indesejado do rosto. Quanto ao resto da humanidade que se interessa por maquiagem, quero muito acreditar que os novos ventos possam trazer olhares mais generosos quanto a própria aparência.
Que a gente possa ter uma convivência mais pacífica e amorosa com quem somos. Observo os movimentos dessa indústria há quase 20 anos, e ainda não vi mágicas comportamentais rolando. São processos lentos e profundamente individuais, influenciados, sim, pelo coletivo.
Pra serem honestos, precisam respeitar tempo e individualidade. Que o tal barulho sirva pra alguma coisa, não apenas pra vender um produto a mais!
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