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Fabi Gomes

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Meu nome é Fabiana Gomes e estou viciada no BBB21

BBB 21: Participantes durante a noite de eliminação da última terça - Reprodução/Globoplay
BBB 21: Participantes durante a noite de eliminação da última terça Imagem: Reprodução/Globoplay

Colunista de Universa

11/02/2021 04h00

Me chamo Fabiana Gomes e estou viciada no Big Brother Brasil. Há três semanas, tudo que faço é tentar fugir dos meus compromissos e entrar em um dos grupos de Whatsapp que participo pra saber informações do reality.

Entro no Twitter e atualizo neuroticamente a página em busca da notícia mais fresca. Vou do grupo da família ao das intelectuais que fazem profundas análises antropológicas, políticas e sociais sobre o programa.

Me inscrevi até num canal de TV por assinatura para poder vigiar os participantes em tempo integral. Quando liguei para assinar, brinquei com o atendente: "vamos manter isso entre nós, ok? Ninguém precisa saber dessa assinatura". Ao que o moço me respondeu: "vamos seguir na força pra eliminar a Fulana de Tal, aquela escrota precisa sair". Fiquei ligeiramente chocada e pensei: "imagina se eu fosse parente dela?".

Já trabalhei com a Fulana em questão, e ela nem me pareceu tão escrota. Será que ela não tá envolvida demais pela narrativa que criou na própria cabeça, o que a levou a uma construção involuntária dessa personagem vilanesca? Ou será que ela tá apenas muito esparramada em rede nacional mesmo, se abrindo tal qual mala velha?

No último domingo, desliguei a televisão com raiva e prometi nunca mais voltar, já que eu tava emocionada demais, torcendo pra Fulana se molhar num chuveiro cenográfico e ir pro paredão. Oito horas depois, tive uma recaída e estava lá, amando odiar todo aquele circo.

Eu nunca tinha passado tanto tempo envolvida com um programa, nem tão intensamente. Me observo à distancia e me pergunto: por quê, Fabiana? Por quê? Vai trabalhar, garota! Eles tão (ou tavam) com a vida ganha e você aqui sendo tonta.

Com esse intenso contato diário, pude catar melhor os muitos detalhes. Se você nunca acompanhou de perto, vão aqui algumas das minhas percepções de primeira viagem. Os participantes não têm disponíveis equipamentos como telefones com acesso à internet, nem computadores, nem TV. Não têm livros à vontade, gibis, palavras cruzadas ou jogos de tabuleiro. Não há ao menos uma singela folha de papel e lápis pra jogar Stop.

O ambiente é colorido demais, estampado demais e barulhento demais. Ou seja, superestimulante. Um convite ao surto. Poucas vezes os participantes encontram soluções criativas de convívio que não se resumam a detratar o outro.

Na terça, pela primeira vez, rolou uma conversa sobre cinema, vida reptiliana e outras dimensões, num dos poucos momentos de convivência do programa até agora que não envolvia o jogo em si. Em seguida, teve uma espécie de festinha promovida por um dos patrocinadores, na qual brothers and sisters pareciam estar verdadeiramente curtindo o momento.

Os quartos são coletivos, sem armários para guardar e organizar as roupas e objetivos pessoais. Fica tudo esparramado, em malas jogadas pelo chão. Dá pra notar umas cômodas magras, sem gavetas suficientes para todos. Os integrantes se amontoam entre cobertores e mochilas. É um cenário caótico, que remete a um universo adolescente (só que com adultos), num rolê de barraca no mato (mas sem as barracas e sem o mato).

O ar-condicionado é no talo e, no lugar das janelas, há espelhos onde as câmeras que os vigiam são posicionadas.

Os participantes não têm mais nada além deles próprios, suas imagens refletidas em espelhos por toda parte, o contato virtual e escasso com uma única pessoa de fora (o apresentador), e os "amiguinhos". Na real, nesse caso, os outros são adversários, já que o objetivo do jogo é vencer e ganhar R$ 1,5 milhão, mais a fama que se adquire ao ficar mais tempo exposto em rede nacional na maior emissora de televisão do país.

Bom, se você for o Lucas, você não precisa do fator "tempo de exposição". Foi o integrante com a passagem mais meteórica da história, sofreu e viveu como ninguém naquele lugar.

Conquistou fama e amor do lado de fora e ódio e julgamento do lado de dentro da casa. Valem muitos estudos sobre as razões. Um jovem preto, periférico e bissexual, que deixou a todos de boca aberta e queixo caídos. Obrigou a gigante emissora a exibir o beijo (entre dois homens) mais envolvente e caliente da história do programa. Um beijão real, mão na nuca, olho fechado. Diferente dos outros dessa edição, uns beijinho véio que eu não gostaria de protagonizar nem nos meus piores pesadelos, credo. Beijos boca mole e olho aberto, sai fora! Teve até um beijo só de uma pessoa...

Mas vamos voltar pra casa. Tudo o que os participantes têm pra fazer ali é, adivinhe? Sim, cuidar da vida dos outros. Eles passam a maior parte do tempo envolvidos em intrigas sobre o grupo adversário. Sim, no começo eles se aglutinam em grupos até o momento final, onde se dará o "cada um por si" (a bem da verdade, o cada um por si rola o tempo todo).

Todas as possíveis armadilhas e gatilhos à vaidade e vilania humana estão postos. É o ambiente perfeito pra você pirar.

Tudo se resume a espelhos, humanos e competição

Os espelhos e os outros humanos. Já se perguntou por que não tem nenhum gatinho ou cachorrinho ali? Nem um puto peixinho dourado, não, apenas humanos e competição.

Ainda temos um grupo de pessoas que ficam com a cota de comida reduzida. Você precisa tomar banho sob a vigilância das câmeras, e nem pelado pode ficar pra lavar as partes, já que precisa usar biquíni ou sunga no banho. Daí temos as provas, algumas de resistência e outras de sorte, todas estressantes.

Mesmo assim, a gente fica assistindo aqui de fora e pensando: "Ah, se fosse eu, eu não ia tá fazendo tanta cagada", "Eu seria o alecrim dourado da sabedoria e do autocontrole", "Que gente mais desequilibrada! Um horror..."

Aham, kirida! Senta lá. Se fosse eu, no terceiro dia depois de ter tentado ioga, meditação e tendo implorado sanidade aos orixás, eu taria surtando. Sem poder cagar em paz (pardon my french), sem janelas, sendo acordada com música chata e alta na cabeça e tendo que conviver com gente que não escolhi, eu estaria dando voadora de cabeça na porta de vidro, envolta num círculo de fogo, entoando algum hino da música hardcore em 500 bpm.

Eu, a famosa anônima. Agora, pensa numa pessoa pública? Os "famosos", que já estão acostumados a viver ensimesmados em suas bolhas megalomaníacas, sendo adulados e tendo suas birras e caprichos ostensivamente aceitos e validados na vida real. Os que se creem blindados pela sua graça, formosura e genialidade.

Pois é, esses aí podem cair na armadilha de serem douradões que podem se fazer personagens arrasantes ali, acima do bem e do mal. E o público? O público ama, né? Porque tamo afins de ver o pau quebrando memo. Entretenimento é isso - a gente quer chorar, amar, sentir raiva. O único perigo é que aquilo ali não é ficção, né? Os personagens tão vivendo suas próprias vidas nessa realidade fantástica.

Trouxe os famosos, porque, com algumas exceções mais patológicas, são as pessoas que mais surpreendem o público de forma negativa no contexto do programa. É a tal equação Expectativa x Realidade. Estão sendo julgados e detestados por todo um país. E sabe da maior? Eles botam a maior fé que tão arrasando, porque suas vozes são mais altas e a razão está com eles!

Sob o ponto de vista do entretenimento alienante, que a gente tá amando pra dar uma escapadinha da realidade, é ótimo. Mas e quando essa galera sair da toca e reencontrar suas vidas? Muitos deles já tombaram, perdendo credibilidade, contratos e fechando portas. E agora, José?

Nem num roteiro de Lars Von Trier nem em Jogos Vorazes se pensou em tanta perversidade. Entretenimento e julgamentos à parte, desde quando um programa de televisão autoriza as pessoas a fazerem ameaças de morte às outras? Julgamentos morais e comportamentais não devem jamais resultar em violência (física ou psicológica). Seria bom se todos pudéssemos voltar a alguma realidade possível, mais humana e amorosa. Calma lá, gente.