Topo

Fabi Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

"Cara de gringo": por que a gente tem obsessão em parecer internacional?

A capa de "Girl From Rio", single de Anitta, que relembra as paixões nacionais da cantora - Mar + Vin/Divulgação
A capa de 'Girl From Rio', single de Anitta, que relembra as paixões nacionais da cantora Imagem: Mar + Vin/Divulgação

Colunista de Universa

17/05/2021 04h00

Meu nome é Fabiana de Fátima Gomes. Até pouco tempo atrás, eu tinha vergonha desse nomão completo, especificamente do "de Fátima". Não, nada associado ao cristianismo. Era mais porque sempre achei que esse "de Fátima" dizia muito sobre muito minha origem, que não é nada fancy. Não sei dizer quando essa bobagem começou. Se comecei a esconder sozinha ou só depois do sarro que muitos não hesitam em escancarar. Do deboche que, em geral, acompanha a descoberta.

Gomes já não é um sobrenome, assim, digamos... Impressionante. É meio comum demais, não tem consoantes suficientes para torná-lo diferente, intrigante, gringo.

Mas, vamos voltar para o Fátima. Fabiana parece que tem a ver com alguma personagem de novela da época. Aí, meu pai e minha mãe acharam que era conveniente meter o Fátima, Fátima não, de Fátima, bem no meio do nome. E acontece que, conforme fui crescendo (adolescência, adolescência...), para ajudar na nóia, achei que esse "movimento" deixava evidente toda a simplicidade da minha família. Muitas camadas para explorar, gente. Preconceito de classe poderia ser uma, mas estamos em outra parte. Vamos focar na "beleza do nome".

No jogo da vida, não pega bem ser pobre, nem simplório, nem... Tão brasileiro! Especialmente no Brasil. Já repararam que as pessoas sempre se impressionam com o que tem origem gringa?

Bem, não apenas sobrenomes, mas é que hoje calhou da gente estar falando desse lance de nome. Joga ali um sobrenome composto bem pomposo no rolê para você ver. Ou um meio italianão ou de qualquer parte da Europa. Algum que precise explicar como se pronuncia, então... Nossa, que nome chique! Que importante! Colônia chora de alegria!

Vou ter que dar aquela desviada de rota habitual, para citar algo que sempre achei o auge da cafonice colonial. Quando se está na produção de uma foto de moda, quando a foto ficou muito boa, sensacional, com todos no set felicíssimos porque "temos a foto", não é incomum falarem: "Nossa! Tá lindo, tá gringo!". Agora entendi. Por isso é que está bonito.

Outro dia, o sentimento colonial tava tão efervescente, que entusiastas da monarquia cogitaram transformar o Museu Nacional em um centro turístico dedicado à família imperial que governou o Brasil. Até o trineto de Dom Pedro II achou a ideia meio brega e se posicionou contrário à iniciativa. Voltaram atrás com a ideia.

Mais de setenta anos atrás, Nelson Rodrigues cunhou o "complexo de vira-lata" como o sentimento de inferioridade do brasileiro em relação ao resto do mundo. O que é muito louco de pensar.

Já viajei muito por esse mundão de meu Deus e lembro claramente do ar maravilhado dos gringos quando falava que era do Brasil (isso antes de 2018). As pessoas tinham verdadeiro fascínio pelo nosso país. A cultura, a alegria (sim, a gente já foi feliz, acreditam?), a pujança da natureza, a diversidade de raças convivendo em harmonia (bem, isso é uma ignorância deles) e até a desordem arquitetônica, com esse fator brutalmente orgânico e caótico, era motivo de admiração.

Mas a gente nunca teve a mesma admiração pelo que é nosso. Em geral, somos ensinados e estimulados a dar valor ao que é de fora

Um bom exemplo para ajudar a pensar essa relação é o cinema. Pensa como, com exceções pontuais, são as produções gringas que fazem sucesso por aqui. E aí parece haver apenas duas vias possíveis: Estados Unidos ou Europa. Jamais o cinema nacional. Não é incomum ouvir coisas como "ah, cinema nacional não dá, né...", vindo inclusive de gente estudada e que se considera para frentex.

Com espírito crítico, olhar afiado e o desejo de seguir amando a pátria, a gente vai se dando conta de tantas e tantas bobagens. Algumas nem tão bobas e casuais assim, mas o fato é que com o tempo passei a curtir muito o meu "de Fátima", essa produção nacional.

Quando me tornei porta-voz de uma grande marca de maquiagem uns anos atrás, me perguntaram: "Como você quer assinar? Como quer que seu nome saia na imprensa?" Sem hesitar, falei: "Fabiana Gomes". Quem me dera voltar no tempo pra dizer: "Bote aí: Fabiana de Fátima!"