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Fabi Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

De volta às ruas, já não sei mais me comportar em público. Me sinto perdida

"O ritmo atual parece estar nessa velocidade que atropela quem não dança no ritmo" - iStock
'O ritmo atual parece estar nessa velocidade que atropela quem não dança no ritmo' Imagem: iStock

Colunista do UOL

12/11/2021 04h00

Com a baixa do número de casos da covid-19, as coisas vão voltando a acontecer. O ímpeto era escrever que as coisas vão voltando ao normal. Mas acho que isso nunca mais acontecerá.

Depois de 609 mil mortes em menos de dois anos, nunca mais seremos os mesmos. Essas perdas estarão sempre presentes e têm desdobramentos. Ainda que você não tenha sofrido diretamente os impactos das perdas de vidas, empregos e esperanças, as perdas tão ali, suspensas sobre nossas cabeças.

Com 56% da população vacinada, as pessoas estão de volta às ruas. Claro, fora aquelas que nunca deixaram de estar e outras que nunca puderam deixar de estar. Por diferentes razões: as primeiras por negarem a ciência e a existência da humanidade e, as segundas, por sobrevivência.

O fato é que, para um grande número de pessoas, os últimos dias representaram a volta dos encontros com humanos fora da bolha familiar. Havia essa expectativa sobre como estaríamos. Mais amorosos? Mais defensivos? Saudosos desse calor do encontro com o outro ou mais cautelosos e desconfiados?

Eu me sinto esquisita. É como se tivesse perdido (se é que tive algum dia) o traquejo social. Me sinto perdida e inadequada.

Repasso os encontros de um minuto atrás e fico avaliando o que se deu. O que um falou pro outro, como foram as reações e como eu estava ali.

Observo as interações dos outros e as minhas. Fui inadequada? Grossa? Deveria ter falado algo que não disse? Não deveria ter falado algo que disse? Fiz piada de coisas das quais não se deve fazer?

Em algumas dinâmicas, sinto que devo falar coisas que são do meu direito ou que devo expressar minha opinião, mas me calo. Eu, essa que sempre procurou falar e exteriorizar, sem pensar tanto nas consequências. "Vamos discutir as ideias, o contraditório, é importante". Mas prefiro ficar quieta. Inadequada, quieta.

Repasso mil vezes na cabeça os contatos familiares, sociais, de trabalho e amizade. Faço esquemas de possíveis diferentes desfechos. Sofro. Relevo. Me sinto inadequada.

Já não sei nem como escrever as corriqueiras mensagens informais do dia a dia. Recorro a recursos como emojis, figurinhas e pontuação para ênfase. Inadequada.

Para alguns, me incluo nisso, o cenário recente foi do "quase nada acontecendo" para o "tudo acontecendo ao mesmo tempo". Parece haver uma espécie de urgência das pessoas em recuperar tempo, oportunidades, trabalho e dinheiro perdidos.

Nova era não rolou

Tinha pra mim que entraríamos nessa "nova era" como quem entra num novo espaço, numa nova vida. Com atenção, calma, contemplação e respeito ao novo e ao que foi perdido. Mas não parece ser assim.

O ritmo atual parece estar nessa velocidade que atropela quem não dança no ritmo. Quase como se tivéssemos que viver nos 15 segundos das redes sociais. Acelera o áudio do WhatsApp e atropela quem estiver moscando. Uma vida em alta velocidade e com pouco espaço pro contato íntimo, mesmo o da escuta.

"Vai, vai, vai, vai, vai" parece ser o lema atual, só não se sabe pra onde.

A gente não teve tempo nem foi preparado pra ir ou pra voltar dessa viagem. Até quando a inadequação ficará? Algum dia ela não esteve? Depois de uma pandemia mundial, talvez ela só esteja mais presente, mais sólida, pesadona.