Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Beleza de festa: a estética do desconforto e da dor a favor da aparência
Outro dia, fui numa festona que vinha sendo adiada há anos, em função da pandemia de covid-19. Era a formatura de uma pessoa querida e próxima da família.
Fazia muitos anos que eu não ia a uma cerimônia desse porte. A bem da verdade, acho que nunca tinha ido. Sempre tive um certo nariz torcido pra festas assim. Lembro de não ter ido à minha própria formatura. Podem analisar à vontade.
E pensei muito antes de topar ir a esse evento. Queria mostrar carinho e prestigiar a formanda, claro. Do outro lado, pensava em toda a situação da festa em si. Lembrei que meus filhos nunca haviam ido a algo assim e achei que seria uma experiência interessante pra eles.
A festa, de uma das instituições mais respeitadas do país, celebrava não apenas o encerramento do curso da parente em questão. Havia ao menos mais nove cursos se formando na mesma celebração.
Protocolos sanitários devidamente respeitados, todos deviam estar de máscara e apresentar carteirinha de vacinação no momento da entrada.
Imersa no universo de moda e beleza há tantos anos, de fato não sei que ventos naives me fizeram, mesmo em 2022, me surpreender com algumas questões.
A primeira coisa que me saltou aos olhos foi o fato de as mulheres, em sua esmagadora maioria, ainda se submeterem a elementos estéticos de desconforto e dor em prol da aparência.
Vocês podem dizer: "Não enche, Fabi, tem gente que tem o maior prazer em se arrumar, é um momento terapêutico e, de quebra, a gente ganha aquela aceleração na autoestima". Hm... Entendo e respeito. Já pude constatar a olhos vistos o efeito que uma maquiagem pode causar em quem é maquiado e na audiência dessa pessoa. Surpreendente. Já falei disso aqui nesse espaço algumas vezes, e acho que tem muitas camadas a se explorar nesse discurso. Mas hoje meu interesse é no conforto.
Colar tufos de cabelos aos seus cabelos naturais. Longas unhas acrílicas. Imensos e pesados cílios postiços, que, sim, podem ser sentidos e fazem as vezes de uma espécie de sombreiro sobre os olhos (a gente sabe e sente que estão ali e algumas pessoas até tendem a apertar os olhos em função do peso dos cílios). Camadas e mais camadas de produtos revestindo a pele do rosto. Talvez pudéssemos dizer que isso tudo está ali "apagando" o que tá por baixo?
E os looks? Muitos, mas muitos vestidos emulando figurinos da Disney ou da Corte. Havia inclusive aqueles com camadas e mais camadas de volumosas anáguas. Bojos e arames jogando os seios o mais alto possível. E os saltos? Matadores! Em todos os sentidos. Estavam ali os absurdamente lindos, verdadeiras esculturas, e os pavorosos (não vamos entrar no mérito do gosto individual).
Mas quase todos tinham algo em comum -- pareciam estar matando de dor as lindas donzelas.
Algumas espertas levaram chinelos. Outras, depois de uma porção de drinks, abandonaram com desprezo os belos objetos torturantes para circularem descalças.
Para além do questionamento estético, a quais símbolos esses itens remetem e por que nos sujeitamos a eles? Meu ponto aqui é em relação a quão gostoso e confortável é viver dentro dessa persona e levantar a questão de como a dor entra em todo esse processo.
Outro fato também me saltou aos olhos, a dado momento da festa, dança-se valsa!! Formandos, com seus respectivos pais e mães, se metem a bailar no centro da pista. Num rápido dedilhar, Seu Google me disse isso:
A valsa é um gênero musical clássico, que também se desdobra em um estilo de dança clássica, originados na Áustria e na Alemanha no início do século XII. ... A palavra valsa tem origem na palavra alemã waltzen, que traduzida quer dizer "dar voltas".
É, não tem jeito, é colonialismo que chama, né? "Ah, mas eles também tocam funk e outros gêneros na festa." Aham, tocam, sim, mas o grande momento, anunciado com forçada emoção pelo farsesco locutor, é o da grande valsa.
Digressãozinha feita, encerro com a beleza e seus caminhos:
Se o momento mais redentor e prazeroso de uma festa é quando você chega em casa e se desmonta, há algo aí a ser ponderado.
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