Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Basta de áudios acelerados, leitura dinâmica: quero entendimento lento
Já botou reparo naquele buraquinho ali na parede?
Não, não se trata daquele reparo que demanda correção, não me refiro às obras. Tô falando de reparar no sentido de olhar demorado, se dar conta, observar atentamente.
Nosso ritmo atual parece não permitir, nem incentivar observações cuidadosas. A começar pelo volume de tarefas e informações das quais precisamos dar conta. Todo dia tem uma nova demanda, um novo grupo no Whatsapp. Notícias e mais notícias para se inteirar. Filmes, livros, séries, novos apps, fofocas, aquele bar novo... Não conhece ainda? "Mentira que você nunca foi pra Jijoca?"
Vivemos diariamente atravessados pelo tal F.O.M.O (abreviatura para "fear of missing out" —ou "medo de ficar por fora": um sentimento de preocupação de que você pode perder eventos emocionantes que outras pessoas irão, especialmente causados por coisas que você vê nas redes sociais).
Estamos constantemente ligados, conectados, superexcitados e, ao mesmo tempo, anestesiados por uma espécie de torpor com o volume de conteúdo disponível e pela velocidade alucinante em que tudo chega e passa. Quase não nos implicamos de fato na realidade.
Às vezes, tenho a impressão de que a gente tá metamorfoseando. Estamos num relacionamento tão íntimo com essa cadência e o universo digital, que temos sido mais maquínicos e menos humanos. Uma maquinona azeitada, que trabalha em alta velocidade e pretende tudo entender.
Já se ligou nas pessoas que nem esperam o final da frase para emitir uma opinião? Quantas vezes nos últimos tempos você precisou repetir uma informação, aparentemente clara e objetiva, porque o emissor simplesmente entendeu algo completamente diferente ou nem entendeu?
É como se a gente quisesse rapidamente se implicar. Não damos tempo, não maturamos. Leitura dinâmica, áudios acelerados, visualização rápida. Entendimento rápido.
Como gostamos de entender rápido! E, claro, achamos um saco as pessoas ditas lentas. Somos ensinados, desde pequenos, que agilidade mental é uma benção, algo almejado e muito valorizado. Fazer várias coisas ao mesmo. "Ah, que pessoa produtiva! Provavelmente tem um Q.I, alto. Um azougue".
Sempre me considerei rápida, detentora de sentidos aguçados. Era capaz até de perceber a trajetória de voo de uma mosca dando rolê atrás de mim, ao mesmo tempo que sacava a dinâmica entre duas pessoas à minha frente e mais algum outro evento aleatório ao redor. Me orgulhava disso.
Ultimamente, tenho notado uns buraquinhos na parede. Uns que essa pessoa ligadona, a suposta rainha da atenção, não tinha se dado conta.
Tenho gostado muito de não entender, ler de novo, escutar de novo, repetir, repetir. Entender vagarosamente. Contemplar. Pra ilustrar, vou deixar uma frase que li de Roland Barthes, que gostei muito:
"Se eu tivesse que criar um deus, eu lhe daria um 'entendimento lento', um entendimento dos problemas pingado gota a gota. As pessoas que entendem rápido me assustam."
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