Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Dia da Harmonização Facial? Não precisamos de um exército de belos clones
Bota fé que a Câmara Municipal de São Paulo aprovou um projeto de Lei, no dia 26 último, para a criação do Dia da Harmonização Facial? O projeto ainda passa por mais uma votação.
Curiosa e intrigada, fui dar uma olhadinha na justifica que consta na PL n.386/2021, de autoria do vereador Isac Félix — disponível para consulta pública. O texto diz:
"A apresentação pessoal é uma necessidade fundamental na vida das pessoas. Embora cada um tenha seus traços e sua constituição física, muitas pessoas valorizam os aspectos relativos a sua aparência física. Essa preocupação não raras vezes gera um trauma psicológico nas pessoas, que também não poucas vezes recorrem a psicólogos, terapeutas e psiquiatras para aprenderem a lidar com estas questões". O grifo é meu.
Após repercussão, o senhor Isac Félix, que se diz um cuidador de pessoas, soltou uma nota em seu Instagram, alegando que a ideia surgiu para auxiliar vítimas de violência doméstica a tratar os efeitos físicos de tais violências.
Nota-se, no entanto, um ligeiro afastamento da nobre justificativa do caro vereador no teor do texto da PL, no qual não há qualquer menção às vítimas de violência doméstica. Válido salientar, também, que os procedimentos estéticos nesses casos são cirurgias reparadoras, não harmonizações faciais.
Pensando no ser humani. Para que possa "necessitar" desse algo estético, precisa antes estar vivo, alimentado, saudável, com segurança habitacional e acesso ao estudo, para ter as próprias ideias e desenvolver senso crítico quanto ao que necessita ou não.
Definitivamente, parecer-se com o outro, ao colocar o próprio corpo num molde pré-fabricado, não está entre as necessidades fundamentais do ser humano.
Escavando um pouquinho mais fundo, seria saudável o exercício de entender o sujeito, de ser empático. Se a aparência o afeta, talvez fosse o caso de escutá-lo, deixá-lo falar sobre como ele, enquanto sujeito, se implica nesse desconforto. O que essa diferença diz sobre si e como outras ferramentas podem dar conta de uma mudança mais profunda, que não fique apenas na aparência, na superfície?
Para além da análise subjetiva, o que essa PL diz sobre esse espírito do tempo? Diferenças não são aceitas, nem bem-vindas? O ideal é que sejamos todos harmônicos, parecidos uns com os outros. Todos bonitos, dentro do que hoje se institui como belo.
Caro vereador, que tal dar um passinho para trás e, primeiro, trabalhar pra garantir direitos? E, quando achar que já trabalhou muito, pense que a gente quer comida, diversão e arte. Não precisamos de um exército de belos clones, banhados na máxima "por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento".
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