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Isabela Del Monde

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

"Portadoras de vagina": é preciso lei para violência pública contra mulher

Colunista de Universa

14/04/2021 04h00

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Faz 89 anos que as brasileiras conquistaram o direito de votar e de serem votadas, sendo o Brasil um dos primeiros países da América Latina em que tal direito foi garantido às mulheres. Um motivo de orgulho.

Mas, aqui, parece que a praxe é que conquistas e orgulho sejam pervertidos em instrumentos de preservação de desigualdade, quando olhamos, por exemplo, a quantidade de candidaturas laranja de mulheres ao longo de nossa instável democracia ou o descumprimento da legislação eleitoral que determina que 30% do valor do fundo partidário seja destinado a candidaturas femininas — de acordo com a DeltaFolha, candidatos homens receberam 73% do dinheiro nas eleições municipais de 2020.

A escolha de trabalhar com política institucional é ainda de sacrifício, danos e violências para mulheres. Na esfera pessoal, as mulheres não costumam receber apoio e incentivo de seu círculo íntimo para essa decisão e é bastante comum que sejam punidas por tal escolha, seja com a culpabilização por não estarem tão próximas de seus filhos no dia a dia, seja com a sobrecarga com trabalhos de cuidado, seja com culpa ou ódio, dirigidos por terceiros ou até mesmo por nós mesmas, que fomentam uma companhia nada bem-vinda, a síndrome de impostora.

Na esfera pública, enfrentamos violência política de gênero. Foi isso que identificou o MonitorA, uma parceria da revista "Azmina" e do InternetLab, que acompanhou, de setembro a novembro de 2020, as redes sociais (Twitter, Instagram e YouTube) de 175 candidaturas, de homens e mulheres, para cargos de vereança, vice-prefeituras e prefeituras.

A pesquisa revela que enquanto os homens, com exceção de idosos e LGBTQIA+, são julgados pela população e seus pares pelo que fizeram em suas carreiras políticas, as mulheres são julgadas por quem são: gordas, trans, negras, jovens, idosas, feias, promíscuas, e assim por diante. As candidatas também foram vítimas de ameaças, incitação à violência e ao ódio e demérito intelectual.

As pesquisadoras do MonitorA identificaram que homens candidatos, por exemplo, não são questionados a respeito de sua paternidade, bem ao contrário do que ocorre com as mulheres. Além disso, um dado chama a atenção: a violência política de gênero atinge mulheres candidatas de todos os espectros políticos, sejam elas de esquerda, centro ou direita.

E foi exatamente o que vimos acontecer no dia 8 último, quando o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) publicou um tuíte no qual se dirigia a deputadas como "portadoras de vagina" e escandalosas, em uma comparação com "A Gaiola das Loucas".

A expressão "portadora de vaginas" é misógina, na medida em que reduz as mulheres cis ao seu órgão genital, portanto, expressa demérito de nossa capacidade intelectual; é transfóbica, na medida em que vincula a condição de ser mulher a ter uma vagina; é capacitista, pois a palavra "portadora" nessa frase é uma alusão à expressão "pessoa portadora de deficiência" — e um determinado órgão sexual — não é um objeto para ser portado, mas sim apenas uma característica que faz parte da humanidade de uma pessoa.

Vivemos em um país em que o absurdo é normalizado contra as mulheres.

Uma vereadora de uma das maiores cidades do país, Marielle Franco, foi assassinada a sangue frio há mais de três anos e até agora não sabemos quem mandou matá-la nem os motivos.

Uma deputada estadual, Isa Penna (PSOL-SP), foi vítima de um crime de importunação sexual no plenário da maior Assembleia Legislativa da América Latina, a Alesp, e foi necessária maciça mobilização feminista para que o agressor, Fernando Cury (Cidadania-SP), recebesse uma sanção menos branda do que o mero afastamento com manutenção de gabinete.

E uma deputada federal de direita é constantemente atacada com apelidos depreciativos sobre seu corpo. Só para citar alguns exemplos que revelam que o problema é estrutural e não isolado.

O MonitorA propõe alguns caminhos para que desnormalizemos o absurdo. Antes de tudo, avalia que ainda precisamos de mais dados, os quais devem ser coletados sempre a partir de uma perspectiva interseccional, que revelem como a violência política opera com mulheres que apoiam candidatas e com as parlamentares eleitas ao longo de seus mandatos.

Indica, ainda, que é necessário que se aprofunde o debate de violência política de gênero dentro de partidos, com capacitação e treinamento, que sejam construídas respostas mais rápidas e integradas entre Executivo, Legislativo, Judiciário, sociedade civil e empresas donas de redes sociais, com maior transparência e mais proteção a perfis de candidatas nos períodos eleitorais.

Por fim, aponta ainda para uma perigosa lacuna legislativa brasileira que é a ausência de regulamentação do discurso de ódio e de violência pública contra mulheres, como temos com racismo e LGBTfobia. A única lei que regulamenta o enfrentamento à violência contra mulher tem como foco a violência doméstica, o que é definitivamente fundamental, mas que, ao mesmo tempo, revela, nas entrelinhas, o local onde a sociedade brasileira enxerga as mulheres: dentro de casa.

Deixo meus parabéns e meu agradecimento a Bárbara Libório, Fernanda K. Martins e Mariana Valente, as pesquisadoras responsáveis pelo MonitorA, cujo trabalho já nasce essencial para que avancemos na presença segura e saudável das mulheres brasileiras na política. De todas as mulheres.

Falta lei que puna o discurso de ódio e a violência pública contra mulheres, como a que cometeu o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) chamando deputadas de "pessoas portadoras de vagina" no Twitter