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Tatiane Spitzner: agredir advogada no júri não ajudou a absolver Manvailer
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Embora eu não seja uma pessoa que celebra prisões, é realmente histórica a condenação de Luis Felipe Manvailer a 31 anos de prisão pelo feminicídio de sua mulher, Tatiane Spitzner, em 2018. A sentença foi proferida na noite desta segunda (10) após uma semana de julgamento e tendo um júri formado apenas por homens — sete, no total. Acredito que o feminismo jurídico está conseguindo ver os resultados de sua atuação; nossas lutas incidem positiva e diretamente na realidade quando temos homens decidindo pelas nossas vidas em não em pacto com o feminicida.
Que não temos um dia de paz no Brasil, isso não é mais novidade. O quanto essa ausência de paz nos anestesia para os absurdos e nos causa tristeza e cansaço também não é mais algo novo em nosso cotidiano. Entretanto, não fui — e nem serei — vencida pelo medo nem pelo ódio e não posso deixar de me manifestar sobre uma cena que chocou o Brasil neste último dia de julgamento do assassinato de Tatiane Spitzner.
No Tribunal do Júri de Guarapuava (PR), o advogado Cláudio Dalledone Junior, defensor de Manvailer, agrediu fisicamente uma colega de profissão. Evidentemente, o advogado em questão vai dizer que não passou de uma simulação ou de um recurso retórico para convencer o júri.
Acontece que agressão física não é tolerável no exercício de qualquer defesa e não é simulação. É muito comum que se realize, em investigações de crimes de alta visibilidade, a chamada reconstituição do crime. Alguém já viu alguma reconstituição em que se usam corpos humanos para simular os crimes de lesão corporal praticados? Não, simplesmente porque isso é imoral, ilegal e antiético. Para tanto, são usados bonecos, objetos sem vida e sem alma, ao contrário da advogada exposta de maneira vexatória pelo dono do escritório de defesa
O caso tanto não é uma simulação que o advogado faz questão de apresentar aos jurados as marcas que suas agressões deixaram no pescoço de sua colega, tentando-os convencer que seu cliente agrediu, sim, a mulher, mas que aquele tipo de agressão, igual à cometida por ele em plenário, não mata.
Uma simulação não deixa marcas simplesmente porque ela não é um fato verdadeiro, mas algo que imita um fato. O vídeo é chocante e tem deixado mulheres muito assustadas e em contato com seus traumas.
Eu me pergunto: como em um caso de feminicídio a defesa julga ser minimamente adequado cometer uma agressão contra uma mulher? A falta de sensibilidade com a memória de Spitzner e com a de milhões de brasileiras que já foram seguradas e chacoalhadas daquela forma é gritante e típica de um ambiente que reforça práticas machistas
Ao que tudo indica, essa advogada foi levada ao plenário apenas para ser chacoalhada violentamente pelo seu chefe, uma vez que ela não falou nenhuma palavra ao longo de todo o julgamento.
Além disso, chama atenção o fato de que no site do escritório de Cláudio Dalledone Junior haja, pelo menos até às 20h30 desta segunda (10), apenas os nomes de criminalistas homens, sem qualquer menção a advogadas. Por que essa banca dá tratamento preferencial para seus profissionais homens, lhes garantindo divulgação e reserva às advogadas mulheres o papel de serem fisicamente expostas?
Como mulher e como advogada, me solidarizo com a advogada agredida, mesmo que ela possa ainda não ter a dimensão de tudo que lhe aconteceu. Ela alega que foi tudo consentido, porém há determinadas coisas que não podem ser consentidas simplesmente porque são ilegais e é ilegal um superior agredir uma subordinada no exercício da profissão ou propor uma agressão.
Não há consentimento válido simplesmente porque a relação tem uma natureza hierárquica e uma discordância da advogada poderia implicar em danos à sua profissão ou pelo menos em medo de danos.
O silêncio de quem vê e ouve é ingrediente fundamental para a impunidade de quem comete violências, como exatamente aconteceu contra a vida de Spitzner. Por isso, com todo respeito e solidariedade a essa advogada — cujo nome não escreverei, pois ela não merece mais exposição —, não pude deixar de manifestar meu choque e indignação.
Felizmente, essa estratégia de defesa não encontrou eco no conselho de sentença composto por sete homens e o feminicida de Tatiane acaba de ser condenado a 31 anos, 9 meses e 18 dias de reclusão e ao pagamento de R$ 100 mil para a família da vítima.
Desejo que a viralização do vídeo não repercuta em frutos, mas sim em responsabilidade. Urge que a OAB (Ordem dos Advogados) do Paraná instaure um processo disciplinar contra o advogado que cometeu essa conduta, porque ela contraria as regras de conduta do Estatuto de Ética da Advocacia, a lei e a moral e deve ser apurada com rigor.
* Atualização: após a publicação desta coluna, o advogado Cláudio Dalledone Júnior divulgou um vídeo ao lado da colega criminalista para dizer que não se tratou de agressão, mas de uma "dinâmica" de plenário. "Temos treinamentos para isso. Não houve qualquer força empregada, nada que possa se caracterizar uma agressão. O Ministério Público, o juiz de direito, com poder de polícia, e a própria OAB estavam presentes", disse.
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