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Isabela Del Monde

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Preso no Egito por assédio: machismo brasileiro é cada vez mais cosmopolita

O médico gaúcho e "coach" de vida saudável Victor Sorrentino foi preso por ofensa sexual no Egito - Reprodução/Instagram
O médico gaúcho e "coach" de vida saudável Victor Sorrentino foi preso por ofensa sexual no Egito Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista de Universa

02/06/2021 04h00

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O médico gaúcho Victor Sorrentino achou que era de bom tom ir até uma loja em Luxor, no Egito, e ao receber as informações sobre um produto de uma vendedora, gravar imagens dessa mulher enquanto proferia palavras assediadoras em português contra ela — e contra nós todas, já que ele fala "vocês". Não satisfeito, ele publicou o vídeo, recheado de suas gargalhadas, para 1 milhão de pessoas que o seguiam no Instagram.

Acontece que as mulheres egípcias e as autoridades locais não viram qualquer graça no vídeo. Pelo contrário, viram crime de ofensa sexual, o qual resultou na detenção do médico, seguida de um pedido de prisão preventiva pelo Ministério Público local nesta terça (1º).

Eu não sei vocês, mas eu estou particularmente cansada das vergonhas que os homens brasileiros têm nos feito passar ultimamente. Estrela do futebol com pelo menos duas acusações de má conduta sexual, torcedores constrangendo mulheres russas na Copa do Mundo de 2018, presidente do país comentando de maneira depreciativa e completamente inoportuna sobre órgãos sexuais de homens asiáticos.

Nos casos de má conduta sexual que brasileiros cometem no exterior, um elemento central potencializa a gravidade da agressão: o fato das vítimas de assédio não falarem português. Mas, nesse caso, a vendedora egípcia compreendia português. Outro ponto que é necessário ressaltar, é que Sorrentino se aproveita da relação de poder cliente-vendedora, afinal "o cliente tem sempre razão". Porém, não.

Nesse sentido, portanto, o médico e coach de vida saudável de Porto Alegre (RS) causou mais humilhação ainda àquela mulher, porque a colocou em uma situação que a deixa sem saída: ela tinha que rir, afinal seu emprego depende de seu desempenho nas vendas. Então, para que não reste dúvidas: um médico brasileiro construiu uma situação na qual a vítima é praticamente coagida a rir enquanto é violentada.

É algo para além da minha compreensão como um homem sente prazer em humilhar e expor uma trabalhadora que está apenas cumprindo suas funções, com o objetivo de se exibir nas redes sociais.

Além disso, claro, houve violação dos direitos de imagem dela, porque ele registrou e publicou o vídeo sem sua expressa e prévia autorização, isto é, por escrito e antes de gravar e publicar. Em momento algum ele pensou nas consequências para ela, que pode, em sua comunidade, ser responsabilizada pela violência sofrida, já que no Egito "é muito vergonhoso para uma mulher que um vídeo com esse conteúdo se torne popular" — estendendo a vergonha para sua família.

Ao que tudo indica, ele queria mesmo era rir dela, rir a partir do poder temporário da relação entre eles. E, claro, se exibir para outros homens, afinal, a masculinidade não sobrevive sem os pactos entre os homens e a política cultural de hostilização e ódio a mulheres.

Surpreendendo zero pessoas, ao começar o processo social de responsabilização, ou seja, exposição crítica de sua má conduta sexual e cobrança contra a impunidade, Victor postou um vídeo "chorando" (bingo), no qual menciona sua família (bingo) e em que diz que está sendo atacado por pessoas que não o conhecem (bingo) e que tudo não passava de uma brincadeira (bingo). Com certeza, você, leitora ou leitor, já ouviu isso antes, não é mesmo?

Lembrando que esse médico se alçou por vontade própria ao lugar de pessoa pública, mas "chora" quando o público não bate palmas. Faz drama quando é tratado como um adulto que deve se responsabilizar pelo que faz. Esse perfil de homem parece esperar devoção servil. Se alguém diz que ele errou, ele não suporta. Haja mimimi!

Saúdo e celebro as mulheres egípcias do movimento "Speak Up" que pressionaram pela atuação das autoridades egípcias, as quais também celebro por estarem fornecendo informações publicamente sobre o caso em suas redes sociais. Espero que esse caso ensine, definitivamente, que o humor hostil contra mulheres é uma conduta ilícita e que quem a escolhe praticá-lo precisa agir como um adulto e enfrentar as consequências.