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Isabela Del Monde

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

DJ Ivis perde contrato: também é preciso responsabilizar abusador no bolso

Gravadora Sony Music rompeu contrato com DJ Ivis após ele ter sido preso por agredir a mulher - Arquivo Pessoal
Gravadora Sony Music rompeu contrato com DJ Ivis após ele ter sido preso por agredir a mulher Imagem: Arquivo Pessoal

Colunista de Universa

22/07/2021 04h00

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Na última sexta-feira (16), a Sony Music anunciou que rescindiu o contrato com o DJ Ivis. Em duas notas divulgadas em suas redes sociais a respeito dos crimes de violência doméstica cometidos por Iverson de Souza Araújo contra a mulher, Pamella Gomes de Holanda, a gravadora afirmou, primeiro no dia 13, que levava as acusações contra Ivis "muito a sério", que não tolerava esse tipo de comportamento e que estava revisando a relação trabalhista com o artista".

Três dias e uma prisão preventiva depois, a gravadora veio a público com a sucinta nota: "A Sony Music decidiu terminar o contrato com o DJ Ivis, e ele não fará mais parte do nosso elenco".

Embora não possa afirmar quais a fundamentações jurídicas a gravadora usou para tomar a sua decisão, acredito, pela minha experiência, que a prisão do artista foi fator determinante para cravar a escolha do fim da relação.

Como falei em minha última coluna, é essencial que empresas de entretenimento, as que contratam figuras públicas, como artistas e influenciadores, e que patrocinam eventos e casas de shows, por exemplo, tenham uma cláusula que permita a rescisão sem multa e sem pagamento caso o contratado viole os direitos humanos, ainda que esse violação ocorra fora da relação do objeto do contrato, como é o caso de violência doméstica.

Essa cláusula foi criada na década de 1920 para proteger os estúdios de gravação de Hollywood contra comportamentos inadequados de atores e atrizes perante a opinião pública, os chamados escândalos. Evidentemente, considerando que estamos falando de um século atrás, o que era considerado comportamento impróprio era bem diferente de hoje. Era impróprio, por exemplo, para um ator homem que interpretava galãs ser visto publicamente com outro homem. Ser gay era impróprio, portanto.

O tempo passou e por conta dos movimentos sociais de grupos minorizados, como mulheres, pessoas negras e LGBTQIA+, vimos uma profunda transformação cultural nos últimos cem anos. Embora ainda sejam sustentados, enquanto sociedade, pelo patriarcado, pela LGBTfobia e pelo racismo, é indiscutível que há forte pressão que tem alcançado resultados: conquistas de direitos, aumento da presença de mulheres nos espaços de poder e crescente reconhecimento da reparação histórica obrigatória para com a população negra.

Um dos movimentos de grande impacto para as mulheres é o Me Too. Criado em 2006 pela ativista negra estadunidense Tarana Burke como uma estratégia de jogar luz ao assédio no trabalho, o Me Too explodiu mundialmente em 2017 quando atrizes estreladas de Hollywood vieram a público denunciado o assédio na indústria.

Por conta desse movimento, que também está presente no Brasil — e do qual sou coordenadora — a presença da cláusula moral passou a estar amplamente presente também nos contratos de empresas com seus e suas CEOs, especialmente nos EUA, país onde o MeToo encontrou sua maior reverberação até hoje.

É extremamente importante que saibamos reconhecer nossas vitórias e que todas as pessoas saibam que o mundo só avança por conta de pressão de quem é marginalizado; em 1920, por exemplo, assédio sexual não era nem considerado uma conduta inadequada porque as mulheres ainda não eram substancialmente percebidas como pessoas. E é isso que explica que a indústria que criou a cláusula moral seja a mesma que foi impactada diretamente pelo Me Too.

Essa mudança de paradigma, isto é, a intolerância das organizações, sejam elas privadas, públicas ou do terceiro setor, com condutas violadoras, ainda que cometidas fora da relação objeto do contrato, é imensa, porque passamos, pela primeira vez, a termos respostas institucionais que secam as fontes primárias das violências contra grupos minorizados: o poder e o dinheiro.

Essa estratégia é mais eficiente que apenas a punição penal e, com certeza, liga o alerta para todos os homens, que agora sabem que podem perder seus empregos e suas redes de contato caso violem mulheres.

Uma conquista nossa, celebremos! Agradeço à Sony Music pela escuta das mulheres e pela decisão acertadíssima!

Como denunciar a violência doméstica

Em flagrantes de violência doméstica, ou seja, quando alguém está presenciando esse tipo de agressão, a Polícia Militar deve ser acionada pelo telefone 190.

O Ligue 180 é o canal criado para mulheres que estão passando por situações de violência. A Central de Atendimento à Mulher funciona em todo o país e também no exterior, 24 horas por dia. A ligação é gratuita. O Ligue 180 recebe denúncias, dá orientação de especialistas e encaminhamento para serviços de proteção e auxílio psicológico. Também é possível acionar esse serviço pelo Whatsapp. Neste caso, o telefone é (61) 99656-5008.

Os crimes de violência doméstica podem ser registrados em qualquer delegacia, caso não haja uma Delegacia da Mulher próxima à vítima. Em casos de risco à vida da mulher ou de seus familiares, uma medida protetiva pode ser solicitada pelo delegado de polícia, no momento do registro de ocorrência, ou diretamente à Justiça pela vítima ou sua advogada.

A vítima também pode buscar apoio nos núcleos de Atendimento à Mulher nas Defensorias Públicas, Centros de Referência em Assistência Social, Centros de Referência de Assistência em Saúde ou nas Casas da Mulher Brasileira. A unidade mais próxima da vítima pode ser localizada no site do governo de cada estado.