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Caso Johnny Depp: sabia que estão te manipulando para odiar Amber Heard?
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Desde abril deste ano está em curso nos Estados Unidos o julgamento do processo de difamação que Johnny Depp move contra Amber Heard por causa de um artigo que ela publicou com a seguinte frase: "Tornei-me uma figura pública ao denunciar violência doméstica e senti toda a força da ira de nossa cultura contra mulheres que se manifestam". É exatamente por esse trecho do texto que Depp está processando Heard, mesmo ela nunca tendo mencionado o nome dele no artigo.
Importante lembrar que o texto foi escrito dois anos após Heard buscar ajuda e conseguir uma medida protetiva que impedia Depp de se aproximar e manter contato com ela. Além disso, Depp também já processou o jornal britânico "The Sun" por difamação, e mesmo tendo sido chamado de "espancador de esposa" pela publicação, perdeu a ação porque o o Alto Tribunal de Londres, corte em que o processo do ator contra o jornal foi julgado, decidiu que não havia difamação, uma vez que o jornal estava divulgando alegações de Heard consideradas "substancialmente verdadeiras".
Então, recapitulando: Depp não podia se aproximar de Heard por causa de uma ordem judicial, ele perdeu o processo do mesmo tema na Inglaterra, mandou mensagens para colegas de trabalho dizendo coisas como "vamos afogá-la antes de queimá-la!!! Vou f**er seu cadáver queimado depois para ter certeza de que ela está morta", tem histórico de abuso de álcool e drogas, tem vídeos destruindo uma cozinha e mais outras provas.
E mesmo diante de tudo isso, circunstâncias que, em outros casos, seriam suficientes para mover a opinião pública favoravelmente à mulher atacada e à garantia dos direitos dela, Heard está sendo publicamente humilhada e odiada. Enquanto isso, Depp é acolhido e tratado como um grande injustiçado.
Constatar isso estava me incomodando muito e me deu uma sensação desesperança.
Até que li a descoberta feita por jornalistas da "Vice": conteúdos anti-Amber Heard estão sendo patrocinados por veículos conservadores na redes sociais. O veículo "The Daily Wire", o segundo maior produtor de notícias do Facebook atualmente, desembolsou de U$ 35 mil a U$ 47 mil (mais de R$ 200 mil) para impulsionar conteúdos de ódio e descrédito contra a atriz
Mais de 4 milhões de impressões desses conteúdos foram registradas, especialmente porque são compartilhadas por figuras da extrema-direita estadunidense. E já não é novidade que, nas redes, o ódio engaja mais do que o amor. Curiosamente, no país que se orgulha se ser "o líder do mundo livre" com extrema liberdade de expressão, quando uma mulher conta sua história de abuso doméstico, aí já é demais.
Além de toda a dor causada contra Amber especificamente, esse tipo de estratégia da mídia e pessoas conservadoras, aliados a Depp, são uma mensagem para todas as mulheres: se você falar sobre sua história de abuso, vai enfrentar uma grande retaliação com consequências destrutivas. Então é melhor ficar quieta como sempre porque já estão indo longe demais.
A título de exemplo, aqui estão alguns conteúdos publicados até agora:
"Espero que Johnny Depp leve Amber Heard à falência com seu processo. Foi absolutamente ridículo ver o que essa mulher foi autorizada a fazer porque ela voou sob o radar do movimento Me Too. Amber Heard é o exemplo perfeito do que chamo de 'feminilidade tóxica'"
"Esse homem [Depp] perdeu toda a sua carreira com base em alegações sem um pingo de evidência. É tudo o que eu digo que está errado com o movimento Me Too. É emblemático para a ideia de é preciso acreditar nas mulheres magicamente"
A má-fé desse tipo de conteúdo é chocante. Primeiro, porque inventa o conceito de "feminilidade tóxica", tentando fazer qualquer aproximação ao conceito de "masculinidade tóxica", esse sim embasado em pesquisas científicas. Segundo, porque mente descaradamente para o público, já que Amber tem provas —diversas delas públicas e que fundamentaram a decisão de conceder a ela uma medida protetiva e também de impor a derrota a Depp no processo contra o "The Sun".
E, terceiro, quando ataca o movimento Me Too, essencial para o desmantelamento de uma série de esquemas de exploração sexual em todo o mundo, coloca todas as mulheres como sujeitas descontroladas cujo objetivo de vida é destruir a história de homens.
É óbvio que boa parte das pessoas de 30 anos ou mais tem uma relação de afeto com Depp por causa de seus personagens. Entretanto, predadores e agressores podem ser pessoas cativantes e envolventes, como foram, por exemplo, João de Deus e Doca Street. Isso, porém, não pode nos impedir de ter uma leitura crítica do que Depp e a mídia fizeram e estão fazendo contra Amber.
Se você faz parte da torcida de Depp, te convido a refletir sobre o porquê de estar nesse lugar. E veja: você não precisa mudar de lado e ser pró-Amber, mas seria interessante uma migração para o lado da justiça e da reparação. Desconfie de conteúdos sobre esse julgamento que você acessa por veículos autônomos ou páginas de redes sociais ou ainda por comentadores da extrema-direita, pois você poder estar sendo alvo de uma manipulação de ódio às mulheres e às nossas histórias. Esse caso tem tudo para ser a "mamadeira de piroca" dos processos de violência doméstica.
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