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Isabela Del Monde

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que a frase 'nem todo homem' ainda não pode ser usada com honestidade

"Se você puder escolher, escolha sempre mulheres; se não puder escolher, inspire-se nas enfermeiras do Rio de Janeiro"  - iStock
'Se você puder escolher, escolha sempre mulheres; se não puder escolher, inspire-se nas enfermeiras do Rio de Janeiro' Imagem: iStock

Colunista de Universa

14/07/2022 04h00

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Por mais que machuque e nos provoque inconformismo e indignação, precisamos aceitar a realidade de que a atual masculinidade hegemônica, ou seja, as ideias e práticas formuladas por homens brancos e ricos a respeito do que é ser homem —e que vai mudando com o tempo, importante frisar— resulta em seres humanos que se sentem à vontade para cometer as piores violências sem qualquer crise ética ou moral.

Os homens que optam por abraçarem acriticamente a masculinidade hegemônica são aqueles que, no trabalho, vão, por exemplo, interromper constantemente suas colegas, ocultar os créditos das mulheres, se apropriar da propriedade intelectual delas, ouvir e respeitar menos suas colegas em comparação aos seus colegas homens, questionar a credibilidade de lideranças femininas, abusar do poder, cometer assédios, estupros e importunações sexuais, desviar recursos e estampar escândalos de toda sorte. É também esse homem que vai fazer vista grossa para as violações cometidas pelos seus iguais.

Em casa, os praticantes irrefletidos da masculinidade hegemônica são aqueles que abandonam suas crianças, não pagam pensão nem convivem com os filhos, não compartilham igualmente a carga mental e os trabalhos de cuidado com a casa e com a família, não formam vínculos de afetos com seus filhos e filhas, traem suas esposas e namoradas, praticam manipulação emocional com familiares e companheiras, chamam suas companheiras e ex-companheiras de loucas, fazem tratamento do silêncio quando confrontados com suas próprias atitudes, expulsam filhos LGBTQIAP+ de casa e fogem de qualquer implicação emocional e responsabilidades em geral.

No convívio social e/ou entre amigos, esse homem que se proclama homem de verdade vai registrar e compartilhar fotos íntimas de mulheres sem sua autorização, enviar memes objetificando mulheres, fazer chacotas e piadas machistas, tocar no corpo de mulheres inconscientes, praticar estupro coletivo, fazer bullying com um amigo que expõe algum sofrimento, trocar socos com torcedores de times rivais, agredir qualquer oposição política, se expor e expor terceiros a práticas de alto risco para provar sua virilidade, beber em excesso, explicar para mulheres aquilo que elas já sabem e, provavelmente, vai falar e falar e falar em uma interminável palestra de "nem todo homem".

E eu acredito na frase 'nem todo homem'

Entretanto, ela ainda não pode ser usada com honestidade porque, infelizmente, todo homem que não pensa sobre o que é ser homem vai reproduzir alguma das condutas que listei acima e vai continuar se beneficiando do sofrimento das mulheres. O mesmo acontece com toda pessoa branca que continua se beneficiando do racismo porque não se dedica ao pensamento crítico sobre a branquitude e a novas práticas cotidianas, mas que diante de alguma barbaridade racista vai se sentir muito à vontade para dizer que está chocada sem reconhecer que ela também comete barbaridades racistas.

E quantos são os homens que estão verdadeiramente dedicados ao processo de invenção de uma nova forma de ser homem? Não apenas uma nova forma mais saudável para os próprios homens, que são hoje o grupo social que mais mata, mais morre e mais se mata no mundo, mas também um novo modo de ser homem que destrua a misoginia, as desigualdades e as violências baseadas no gênero?

Infelizmente, eu conheço pouquíssimos homens que estão nesse movimento. E mesmo os que estão, ainda deslizam e expõem, de uma forma ou de outra, o quanto eles ainda não percebem as mulheres como tão pessoas quanto eles. Tudo bem, vamos errar nos processos de mudança, mas é inegável nosso direito de estarmos exaustas, de estarmos com medo e de querermos mais empenho e agilidade por parte deles.

Homens que odeiam mulheres

Por isso, enquanto a frase "nem todo homem" não puder ser dita também por mulheres, minha opinião é que devemos buscar ter o maior número de mulheres nas nossas vidas. Se você puder escolher, escolha sempre mulheres; se não puder escolher, inspire-se nas enfermeiras do Rio de Janeiro e deixe o gravador ou a câmera do seu celular ligada, se puder e conseguir, sempre quando estiver em alguma situação em que se sinta com medo ou constrangida.

Aos homens leitores e aos homens da minha vida, eu acredito que todas as pessoas podem mudar e quero dizer que não desejamos estar distantes de vocês, mas enquanto vocês continuarem a escolher ser homens que odeiam mulheres, é natural que queiramos nos proteger para prosperar em nossas vidas com menos medo.