Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Caso Daniel Alves: toda vítima de estupro merece indenização em dinheiro
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Infelizmente, mais um jogador brasileiro de futebol está ocupando as manchetes mundiais por uma acusação de estupro. Daniel Alves foi preso, sem direito à fiança, após uma mulher, cuja identidade está sob sigilo, se apresentar à autoridade policial de Barcelona informando que ele a havia estuprado.
Munida de provas, ela foi escutada pela polícia que, na sequência, convocou Daniel Alves. Ele foi prestar seu depoimento sem a presença de advogado e acabou preso, sem direito à fiança devido ao elevado risco de fuga, iá que ele mora em outro país e tem dinheiro para se deslocar quando e como quiser. Além disso, se viesse para o Brasil, ele não poderia ser extraditado, como Robinho.
Na Espanha, as vítimas de violência sexual têm direito a serem indenizadas pelo agressor caso ele seja condenado. Uma reparação financeira pelos danos morais e materiais causados contra as vítimas, afinal buscar ajuda médica, contratar uma advogada para preservar seus melhores interesses, pagar terapia e medicamentos e se recuperar do trauma causado custa dinheiro. E, às vezes, muito.
Entretanto, essa mulher renunciou a esse direito expressamente diante da juíza do caso. Segundo o que ela disse, quer apenas Justiça, que ele seja condenado e cumpra sua pena —para estupro, na Espanha, é de quatro a 12 anos de prisão, como explica a promotora de Justiça de São Paulo Valéria Scarance.
No Brasil, a lei é um pouco diferente. O direito de indenização automática em caso de condenação não existe, e é preciso que a vítima, por meio de sua defesa, a peça expressamente para o Judiciário. O valor pode ser negado ou reduzido.
Embora eu não tenha acesso a todos os motivos que levaram essa mulher especificamente a tomar essa decisão, não me surpreendi porque já vi, enquanto advogada que atende mulheres vítimas de diversas violências, várias que abrem mão de seus direitos. E os motivos delas eu conheço.
As vítimas de violências sexuais, como no caso Daniel Alves, costumam abrir mão dos seus direitos porque elas não são acreditadas pela sociedade. Sempre que um homem rico é acusado de estupro, a sociedade, em geral, imediatamente crava o julgamento de que o que ela quer é, na verdade, o dinheiro dele e fama. Então, como forma de evitar tal julgamento e tentar ser compreendida e acolhida, vítimas são empurradas a tomarem decisões que, quase nunca, preservam seus melhores interesses.
É preciso que compreendamos que uma violência traz, sim, custos financeiros para as vítimas, e que parte da reparação e da Justiça passa, sim, por dinheiro. Querer e reivindicar essa indenização não é errado, não é feio nem transforma a vítima em uma pessoa ruim ou interesseira, só reforça sua dignidade humana.
E há outros casos: mulheres que são vítimas de violência doméstica, por exemplo, muitas vezes abrem mão dos seus direitos patrimoniais, como parte dos bens ou do dinheiro do casal porque querem se livrar, o mais rapidamente, de qualquer relação com aquele homem.
Também é comum que mulheres que estejam em disputa de guarda de crianças com um ex agressivo renunciem a direitos porque são chantageadas com a perda da guarda. A relação abusiva se encerra, mas as práticas abusivas, não, e o agressor continua exercendo manipulação emocional sobre aquela mãe.
Obviamente, não julgo a decisão de nenhuma delas porque só quem vive na pele uma violência sabe o que está enfrentando. O que julgo e tento mudar é a percepção social de que uma vítima ou está mentindo ou deve abnegar de seus direitos para, aí sim, ser merecedora de credibilidade e acolhimento. Oras, você imagina alguém cobrando que o dono de um apartamento perdoe aluguel vencidos de um inquilino para que acreditem que ele tem direito a reaver a posse de um imóvel com aluguéis atrasados? Então por que achamos normal exigir que a vítima se prejudique para acreditarmos em quem afirma que sofreu uma violência por ser mulher?
A resposta é só uma: machismo. As vítimas são cobradas para serem perfeitas e abnegadas, quase como se precisassem se sacrificar perante a opinião pública para não serem mais violentadas. Entretanto, a renúncia de direitos, quando feita de forma contrária aos interesses da mulher, pode ser mais uma violência.
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