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Isabela Del Monde

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Deputada apresenta projeto para Brasil ter mesma lei que prendeu Dani Alves

Colunista de Universa

01/02/2023 16h16

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O caso de Daniel Ales não gerou apenas indignação das mulheres e vistas grossas pela maior parte dos homens. Ele também gerou uma curiosidade, por parte do público brasileiro, de compreender por que ele foi preso tão rapidamente. Afinal, por aqui estamos tristemente acostumadas com a impunidade contra agressores sexuais ou com a lentidão na tomada de decisões que os responsabilizem pelo o que fizeram.

Essa curiosidade foi sanada quando descobrimos que há, na cidade de Barcelona, o protocolo "No Callamos" ("não nos calamos", em tradução livre), um documento que reúne informações e regras para prevenção e tratamento de casos de agressões sexuais e assédios em espaços noturnos de lazer, como festas, baladas, bares e restaurantes.

O protocolo, muito resumidamente, determina que as equipes que trabalham nesses espaços recebam treinamento para acolhimento adequados de qualquer pessoa que se apresente como vítima, bem como acionamento imediato das autoridades policiais competentes para receberem a denúncia e dar encaminhamento para rede de saúde para que a potencial vítima possa receber atendimento médico e passar por exames de coletas de evidência (sêmen, sangue, registro de lesões etc).

Foi por causa do acionamento desse protocolo, por exemplo, que foi possível identificar lesões condizentes com uma agressão sexual e coletar do corpo da potencial vítima materiais biológicos com o DNA de Daniel Alves. Na ausência de um protocolo como esse, é extremamente comum que a vítima tome banho antes de buscar ajuda médica e policial e, com isso, todas essas provas físicas e biológicas podem ou ser deterioradas ou definitivamente perdidas. Isso, claro, impõe obstáculos para que o depoimento da vítima seja corroborado.

Evidentemente, não há nada do tipo no Brasil. Ainda. Nesta quinta-feira (2), a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) protocolou um projeto de lei na Câmara dos Deputados para que o Brasil passe a contar com o protocolo "Não se Calem", uma inspiração e homenagem direta ao protocolo de Barcelona. Na coluna da Alicia Klein no UOL Esporte você consegue ver o texto completo do PL.

Agora, a proposta segue uma tramitação: precisará ser aprovada em comissões e no plenário da Câmara e do Senado para, então, ser sancionada pelo presidente.

Embora não baste apenas leis para que se mude uma cultura, acredito que uma legislação como essa, se aprovada, terá três grandes papéis.

O primeiro deles é de, finalmente, incorporar o acolhimento da vítima desde o minuto zero e não mais apenas desde o minuto seguinte. Isso significa que uma vítima não vai precisar, sozinha, dar início aos processos de denúncia e busca de ajuda médica —hoje, a lei brasileira diz que ela tem acesso ao serviço de saúde sem precisar de um boletim de ocorrência, mas muitas vezes, procura essa ajuda sozinha.

Se a proposta for aprovada, os espaços de lazer serão obrigados a acionarem esse apoio em nome da vítima caso ela assim queira. Isso tira um peso enorme das costas de uma pessoa que está sofrendo dos efeitos imediatos de um grande trauma.

O segundo papel desse PL, o qual espero muito que vire uma lei, é de tratar os direitos das mulheres fora da esfera penal. Como já escrevi inúmeras vezes aqui na coluna, criar crimes para responder às necessidades de Justiça não traz nenhum resultado para essas necessidades. Criar crimes serve apenas para oferecer uma resposta fácil e populista aos incômodos sociais.

E, por fim, vejo que uma lei nesse sentido terá um papel fundamental na diluição da cultura do estupro em espaços de lazer na medida em que prevê a obrigatoriedade de comunicação para prevenção de assédio e agressões sexuais, como a afixação de placas nos estabelecimentos de lazer, bem como o treinamento da equipe, com pessoa especificamente dedicada ao acolhimento e encaminhamento da potencial vítima.

Isso significa que pode cair por terra a prática secular que muitas vezes acontece, a de um abandono de uma vítima por funcionários do espaço porque simplesmente decidem, sem qualquer embasamento, que ela está mentindo. Eles passarão a ser obrigados a acolherem. Cabe a nós, sociedade civil, pressionar o Congresso Nacional pela rápida tramitação do PL.