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Isabela Del Monde

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Governo de SP tem lei patética e oportunista para casos de estupro em bares

Colunista de Universa

09/02/2023 04h00

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Depois que o Brasil ficou sabendo que foi um protocolo específico para casos de estupro que garantiu que Daniel Alves fosse preso tão rapidamente após ser apontado como agressor sexual de uma mulher em Barcelona, vários projetos de lei, na Câmara dos Deputados e em assembleias legislativas, foram apresentados com a intenção de que o país passe a contar com algo parecido.

Sem dúvida, essa onda é reflexo do incansável movimento de mulheres, que estão há anos contando suas histórias de abusos e assédios. É essencial, portanto, sabermos reconhecer que nossa atuação tem resultado e que agora não é mais possível que políticos e políticas se comportem como antes, ignorando o assunto.

Entretanto, nem toda proposta nem toda lei sobre esse assunto defende, verdadeiramente, as mulheres. É o caso da Lei 17.621/23 promulgada no dia 3 de fevereiro pelo governador de São Paulo, Tarcísio Freitas.

Em um claro movimento oportunista de se mostrar como aliado das mulheres, o governador, aliado ao bolsonarismo, aprovou uma lei patética que nos deixa, na verdade, em mais risco.

A lei começa determinando que espaços de lazer devem adotar medidas para auxiliar mulheres que se "sintam" em situações de risco. Em primeiro lugar, já é de conhecimento científico que muitas vezes as vítimas demoram para compreender que estão em situações de riscos, podendo até mesmo levar meses ou anos para se darem conta que foram alvo de uma violência sexual.

Mais grave ainda, porém, é que a lei não determina que há a obrigação, pela equipe do espaço de lazer, de interromper quaisquer situações de violência, mas sim de apenas reagir se a vítima pedir ajuda. Como escrevi na semana passada, um bom protocolo prevê o atendimento da vítima ou potencial vítima desde o minuto zero, sem que ela precise pedir ajuda ou mesmo ir sozinha aos serviços médicos e policiais. O gatilho para ativar o protocolo, portanto, deveria ser a violência em si, e não o pedido de ajuda.

Na sequência, a lei determina que, dentre as tais "medidas auxiliares", a mulher seja acompanhada até seu carro ou a outro meio de transporte. Como especialista em acolhimento e tratamento de casos de violência sexual, me dá calafrios essa previsão porque, na verdade, isso serve única e exclusivamente para beneficiar o agressor ou potencial agressor. Ao apoiar a vítima a ir embora sozinha do local dos fatos, a equipe do espaço de lazer estará, ainda que sem saber e sem querer, atuando para a destruição de provas.

Após uma violência sexual, a vítima deve ser imediatamente encaminhada, com acompanhamento, para uma unidade hospitalar, para que possa receber tratamentos de profilaxia à gravidez e a ISTs (infecções sexualmente transmíssiveis), bem como para ser encaminhada para o IML (Instituto Médico Legal) para que se realize o exame de corpo de delito.

Se ela é simplesmente incentivada a ir embora do local dos fatos, todo o material biológico do agressor presente em seu corpo será perdido ou contaminado e perderão seu caráter de prova do crime.

A última coisa que a lei prevê é que sejam colocados cartazes nos banheiros femininos informando que, se ela for vítima de violência sexual, o estabelecimento a ajudará a ir embora. E pronto, acabou. Uma lei de três artigos, e é isso. Para se ter uma ideia, a deputada Damaris Moura (PSDB), uma das coautoras de lei, fez uma outra proposta com 75 artigos para regular a liberdade religiosa no Estado.

É absolutamente óbvio que essa lei foi criada por pessoas que não têm conhecimento técnico sobre violência sexual e, muito menos, sobre as consequências imediatas dos efeitos do trauma em uma pessoa.

O estado de choque e paralisia são comuns, e mesmo que a vítima diga que quer mesmo ir embora, esse movimento certamente não garante seu melhor interesse e, por isso, ter uma equipe treinada que a encaminhe e acompanhe para atendimento médico e psicológico imediatamente depois dos fatos é essencial.

Essa lei beneficia apenas uma pessoa nessa equação: o agressor. Além disso, é um desserviço para a construção de uma legislação séria, já que os deputados da Alesp podem alegar que o Estado já conta com uma lei sobre o assunto e não precisa de outra.

Parabéns por atrapalhar nossas vidas, governador. Faremos de tudo para informar as mulheres paulistas que o senhor age de forma oportunista com nossas dores, e não para construir um protocolo que proteja as mulheres de verdade.