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Isabela Del Monde

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ataques em escolas: por que maioria das vítimas são meninas e mulheres?

Colunista de Universa

30/03/2023 04h00

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No ataque à escola Escola Estadual Thomazia Montoro, no bairro da Vila Sônia, em São Paulo, na terça-feira (27), das seis vítimas, quatro eram mulheres. Uma morreu. No ataque às escolas em Aracruz (ES) no ano passado, três mulheres e uma menina totalizam as quatro mortes. Em Barreiras (BA), também em 2022, a vítima foi uma aluna cadeirante e, assim como o agressor de Aracruz, o atirador tinha um pai PM. Em 2011, no ataque em Realengo, no Rio de Janeiro, das 12 pessoas assassinadas, dez eram meninas. Entre esses casos recentes de ataques à escolas, só em Suzano a maioria das vítimas fatais era homens: seis rapazes, uma professora e uma inspetora.

As vítimas são principalmente meninas e mulheres, e uma hipótese que levanto é que esses meninos estão, diariamente, sendo ensinados a odiá-las por homens que, frustrados com suas vidas, decidiram destiná-las a punir aquelas que eles julgam como culpadas por seus fracassos, dores e inseguranças. E esse ódio, por óbvio, não está mais restrito a práticas online. Você sabia que desde 2022 o Brasil registrou nove ataques em escolas?

No caso de Realengo, o atirador mirou suas armas para braços e pernas dos meninos, ao passo que apontou para as meninas com a intenção deliberada de matá-las, com tiros na cabeça. As investigações do caso, que ocorreu há 12 anos, comprovaram que esse era justamente seu plano: matar meninas.

O assassino se comunicava com Marcello Valle Silveira Mello e Emerson Eduardo Rodrigues Setim, ambos coordenadores de uma seita de supremacistas digitais. Marcello, inclusive, foi condenado em 2018 a 41 anos de prisão por por associação criminosa, divulgação de imagens de pedofilia, racismo, coação, incitação ao cometimento de crimes como estupro e feminicídio e terrorismo. Sua vítima mais famosa é a professora Lola Aronovich, a qual nomeia a Lei Lola, que determina que cabe à Polícia Federal a investigação de misoginia na internet.

O responsável pelo ataque em Aracruz também era um radical de comunidades digitais de misóginos e racistas —estava usando uma suástica quando cometeu os ataques. No caso do massacre desta semana em São Paulo, o UOL revelou que as intenções para cometer o crime vinham sendo divulgadas pelo autor em uma comunidade no Twitter, recebendo apoio e sendo chamado por outros usuários de "nosso cria".

É desolador saber que meninos brasileiros estão fazendo parte de comunidades criadas por adultos para utilizá-los como meras ferramentas para cometer crimes contra minorias, especialmente mulheres e meninas. Certamente, estamos errando, e muito, na educação deles.

De acordo com a pesquisa "O Silêncio dos Homens", feita pelo Instituto Papo de Homem, sete em cada dez meninos de até 17 anos afirmam lidar com algum distúrbio emocional, como ansiedade e depressão, e 37% afirmam que não conversam com ninguém sobre o que significa ser homem. É evidente que as necessidades dos meninos por afeto, carinho, escuta, compreensão e acolhimento psicossocial, naturais para qualquer ser humano, são negligenciadas.

Somando esse cenário ao fato de serem alvos mais fáceis de desinformação —como a mentira de que mulheres têm mais privilégios que os homens, algo amplamente divulgado nas comunidades redpillers e afins— temos o caldo que explica em boa medida o aumento desolador de ataques em escolas e a expansão das comunidades misóginas para plataformas mainstream, como TikTok e Discord.

Seu filho, seu sobrinho, seu enteado ou seu afilhado podem estar sendo alvo de radicalização por essas comunidades geridas por homens que evitam a todo custo assumir a responsabilidade por suas vidas e culpam as mulheres pelo rumos nem sempre bem sucedidos e felizes de suas vidas. Recusam-se a buscar ajuda profissional para lidar com suas dores e destroem as famílias dos infratores e as das vítimas.

Como sempre, para problemas complexos as respostas são complexas. Regulamentar o funcionamento das redes sociais no país e garantir a presença de atendimento psicossocial nas escolas e espaços de convivência de jovens me parecem dois passos fundamentais para a reversão desse quadro.

Precisamos ser capazes de dar atenção aos nossos meninos. Precisamos falar que ser homem não significa partir do princípio de que "toda mulher é vagabunda", como afirma o "coach do Campari" Thiago Schutz e, acima de tudo, precisamos permitir que meninos e meninas sejam pessoas em todas as suas potencialidades e fragilidades, pois se retiramos dos garotos o direito ao acolhimento, os lançamos diretamente nas mãos do que tem de mais odioso e assassino na redes digitais.