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Isabela Del Monde

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Delegacia 24 horas só chega em 2023 em país que mata mais mulher no domingo

Colunista de Universa

06/04/2023 04h00

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Um quarto dos feminicídios que aconteceram em 2022 foi em domingos. E 32% deles, durante a noite. Reportagem de Universa revelou que de todos os registros semanais de violência contra a mulher entre os anos de 2015 e 2019, 22% se concentram nos domingos e 17% aos sábados. Atualmente, uma mulher é assassinada por causa do seu gênero a cada seis horas no Brasil. Os dados são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Esses números indicam que já é de conhecimento do poder público brasileiro, há anos, que as violências contra as mulheres acontecem mais fora do horário comercial. Entretanto, como infelizmente é o costume na maior parte dos governos, os dados produzidos por especialistas não parecem ser utilizados como base para que tomadores de decisão, como secretários de segurança pública e governadores, reorganizem políticas públicas de prevenção e acolhimento às vítimas.

É verdade que, desde 2016, a cidade de São Paulo conta com uma delegacia da mulher com funcionamento 24 horas, e que, em 2020, o Estado de São Paulo contava com dez delegacias operando de forma ininterrupta —mas sete delas ficam na capital, que, vale lembrar, tem 12 milhões de habitantes. Considerando que o estado tem 23 milhões de mulheres, é evidente que esse número é insuficiente e que as moradoras do interior ficaram anos abandonadas.

É desolador saber que centenas de mulheres foram mortas e que, mesmo assim, nada foi feito para ampliar o funcionamento das delegacias. A ex-Ministra das Mulheres, Damares Alves, por exemplo, não fez absolutamente nada nos quatro anos de governo para prevenir feminicídios e acolher potenciais vítimas mesmo tendo todos esses dados à sua disposição.

Isso só vai mudar em 2023. O presidente Lula sancionou uma lei, no dia 3 de abril de 2023, que determina o funcionamento 24 horas de delegacias da mulher. Ainda assim, não consigo escapar dessa sensação agridoce. É claro que essa lei é bastante bem-vinda, mas também é evidente que ela deveria ter existido antes, bem antes.

De toda forma, espero que isso mostre a diferença que faz termos mulheres como Cida Gonçalves à frente da pasta de mulheres, uma pessoa que está há anos no trabalho de combate à violência de gênero.

Para além do funcionamento ininterrupto, acredito que vale destacar dois outros pontos da lei. O primeiro é a determinação para que sejam firmadas parcerias com as defensorias públicas dos estados e com o Suas (Sistema Único de Assistência Social), para garantir que as vítimas tenham apoio jurídico e psicológico nas próprias delegacias.

Nem sempre elas podem contar com uma advogada e vão para as delegacias desassistidas e sem informações sobre seus direitos, podendo ser desinformadas e desincentivadas por agentes policiais a registrarem as ocorrências. Uma defensora no local certamente é essencial para orientar a vítima sobre o que acontece após o registro da ocorrência, fortalecendo sua confiança em sua decisão de interromper o ciclo da violência. Já a assistência psicológica poderá oferecer amparo para que a mulher possa passar pelos traumas de forma menos prejudicial.

O outro ponto é quanto à obrigatoriedade de que agentes policiais recebam treinamento para fazer acolhimento adequado e sem revitimizar ou culpabilizar a vítima pelos fatos que ela narra. Sentiremos os efeitos dessa lei apenas se as secretarias de segurança pública dos estados brasileiros trabalharem para sua implementação. Vamos ver o que fala mais alto: nossas vidas ou interesses políticos.