Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Lei garante bolsa-tarado ao punir juiz por assédio sexual com aposentadoria
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O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) condenou, nesta semana e em decisão unânime, o ex-juiz Marcos Scalercio. Ele atuava no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em São Paulo, e foi aposentado compulsoriamente devido às denúncias de violência sexual que pairam sobre ele. A advogada Luanda Pires, representando o Me Too Brasil, já atendeu mais de uma centena de mulheres que relatam ter sido vítimas de comportamentos predadores e violentos de Scalercio.
Você sabe como funciona a punição de aposentadoria compulsória nesse caso? De acordo com a Lei Orgânica da Magistratura, a pessoa é afastada mas continua recebendo uma remuneração proporcional ao tempo de serviço. O salário é usado como base para o cálculo e, um juiz na posição dele ganha, em média, cerca de R$ 32 mil
Sim, leitoras e leitores, a punição administrativa permite, por lei, que um homem que abusou de seu cargo para cometer violências sexuais pare de trabalhar e continue recebendo. Uma querida seguidora minha, Carolina Martins, deu a essa aberração o melhor nome: bolsa-tarado.
Quero ressaltar que o CNJ expressou repulsa por essa escabrosa determinação legal no próprio julgamento. E o problema com o qual estamos nos deparando não passou despercebido nem mesmo pelos próprios conselheiros que o condenaram. A punição, aliás, é a mais alta para um processo administrativo do órgão.
Presidenta do CNJ e ministra do STF (Supremo Tribunal Federal), Rosa Weber disse lamentar que "a nossa legislação assegure vencimentos ou subsídios proporcionais ao tempo de serviço". Esse é um caso em que fica evidente que as leis podem ser injustas e antiéticas, além de encharcadas de proteção de grupo.
O tribunal onde Scalercio trabalhava inclusive arquivou duas vezes investigações contra ele, e essa conduta do ente do Judiciário também foi alvo de investigação pela corregedoria do CNJ.
O benefício só será interrompido se o ex-juiz for condenado criminalmente e não tenha mais direito de recorrer (chamamos isso de ação transitada em julgado). E sim, ele já responde a processos na Justiça. Todas nós, advogadas feministas, esperamos que ele seja condenado e perca o direito a continuar sendo pago com o dinheiro de brasileiras e brasileiros.
A mesma coisa aconteceu com Fernando Cury, deputado paulista que importunou sexualmente a ex-deputada Isa Penna e que foi punido com afastamento remunerado de 180 dias e manutenção do funcionamento do seu gabinete. Isso não é punição, são férias muito bem remuneradas. Para quem gosta de dizer que o crime compensa, talvez essas situações caiam como uma luva nessa expressão popular.
Para que isso pare de acontecer, a Lei Orgânica da Magistratura, como outras leis orgânicas de demais instituições públicas, precisa ser alterada, seguindo o que diz a Constituição, envolvendo STF (Supremo Tribunal Federal) e Congresso.
Não é possível tolerarmos que abusadores destruam vidas e continuem a ser remunerados como forma de punição.
Quero frisar que sou totalmente favorável à toda estabilidade prevista para servidores públicos, pois esses são aspectos centrais para garantir que essas pessoas preservem o interesse público de forma livre de pressões e chantagens. Entretanto, é preciso que distorções como manutenção de remuneração para condenados por más condutas sejam interrompidas definitivamente, inclusive como forma de manter a dignidade e a importância democrática das instituições públicas.
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