Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Opinião: Justiça precisa de olhar de gênero, ao contrário do que diz Melhem
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Marcius Melhem fez uma live na quarta-feira (12) e disse, entre coisas, que o Ministério Público do Rio de Janeiro escolheu uma promotora favorável às vitimas para atuar no inquérito contra ele. Além disso, disse que, se o símbolo da Justiça é uma mulher vendada, o Judiciário não deveria levar questões de gênero em consideração nos casos que julga.
Quero, em primeiro lugar, esclarecer a designação da promotora atual do caso. O inquérito contra Melhem corre na 2ª Promotoria de Investigação Penal Territorial da Área Botafogo e Copacabana, pois a potencial conduta criminosa investigada aconteceu em Botafogo.
Já faz alguns meses que o promotor titular da 2ª promotoria, Sauvei Lai, está cedido como assessor do Procurador-Geral de Justiça e afastado de suas funções como promotor titular.
Desde seu afastamento para exercício da nova função, oito promotores e promotoras assumiram, temporariamente, esse inquérito. Essas alterações de responsáveis pelos casos no MP-RJ, embora normais, considerando que são substituições ao titular, têm atrasado as apurações e, segundo a equipe jurídica das vítimas, isso tem aumentado significativamente o sofrimento das mulheres e homens que se apresentam como vítimas e testemunhas dos potenciais crimes de Melhem, já que há dois anos e meio não veem andamento no caso.
Por causa desse cenário de mudanças de promotores e longo decurso de tempo, o Procurador-Geral de Justiça do Rio de Janeiro nomeou, em junho deste ano, a promotora Isabela Jourdan da Cruz Moura, titular da 1ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal de Violência Doméstica da Zona Oeste/Jacarepaguá, como a responsável por esse Inquérito.
A nomeação de Isabela, feita pelo PGJ, é absolutamente legal e correu de acordo com todos os trâmites, incluindo a anuência do promotor natural do caso. Além disso, se a investigação é sobre potenciais violências contra várias mulheres, nada mais correto, portanto, que uma promotora especializada no assunto seja a escolhida para representar o MP-RJ nesse inquérito.
Se você precisa de um tratamento nos olhos, busca um médico ou médica especialista em olhos, não? Certamente vai querer alguém com conhecimento técnico especializado na área em que precisa de atendimento e cuidados.
Melhem parece tentar insuflar a opinião pública contra a idoneidade do Ministério Público, uma instituição constitucionalmente prevista como essencial à Justiça, ao Estado Democrático de Direito e à defesa dos direitos coletivos de toda a sociedade, além de parecer tentar constranger e intimidar a atual promotora do caso, uma autoridade pública. Ao atacar o MP-RJ, Melhem ataca toda a sociedade brasileira.
Não sei vocês, mas penso que se ele tem se sente à vontade para, publicamente, levantar suspeitas sem provas contra uma instituição e autoridades públicas que vão atuar em um processo contra ele, o que ele não se sentia à vontade para fazer, em ambientes privados, com mulheres abaixo dele?
Já sobre o outro ponto que ele traz, de que a Justiça não deveria levar em consideração as questões de gênero, apenas celebro que Melhem não faça parte do Judiciário brasileiro porque esse pensamento é absolutamente sem sentido.
Não existe Justiça se a realidade concreta é ignorada. Não há igualdade real, concreta, entre homens e mulheres em nenhum lugar do mundo.
A população feminina é negativamente impactada pelo machismo em todos os aspectos, desde os mais prosaicos, como ao usar o transporte público e sofrer importunação sexual, até os mais graves, como ser vítima de estupro no parto. Leis e decisões judiciais que não consideram essas desigualdades servem apenas para nos manter subjugadas ao medo e à violência e para manter agressores à vontade em suas carreiras de predadores.
Felizmente, temos leis e normativas, como o Protocolo para Julgamentos com Perspectiva de Gênero, do Conselho Nacional de Justiça, que compreendem que devamos tratar os desiguais na medida de suas desigualdade —conceito, inclusive, que aprendemos no primeiro semestre de faculdade, nos protegendo de passarmos vergonhas como essa de reivindicar uma falaciosa neutralidade do sistema judiciário.
As mulheres brasileiras não vão recuar em suas demandas por respeito e responsabilização dos homens que as violam, em nenhuma esfera. Já está na hora de se acostumar com o século 21 e deixar de birra, pois todas nós sabemos que homens que se revoltam contra leis e práticas que nos protegem querem apenas continuar nos abusando e humilhando sem qualquer consequência. Esse tempo acabou.
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