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Isabela Del Monde

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que há tanto homem incomodado com empolgação das mulheres por 'Barbie'?

Colunista de Universa

28/07/2023 04h00

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"Hi, Barbie!"

Lançado em 21 de julho, o filme da boneca mais famosa do mundo, Barbie, está na boca do povo em vários lugares do mundo. Evidentemente, o investimento em marketing de divulgação foi imenso e isso garantiu, por exemplo, uma bilheteria mundial de US$ 356 milhões em apenas uma semana.

Além disso, o filme já bateu outra série de recordes: é a maior estreia de uma diretora mulher em toda a história, o maior lançamento de longa baseado em um brinquedo e maior fim de semana de estreia de um filme que não é uma sequência, remake ou filme de super-herói.

Não vou falar sobre o mérito do filme: já há uma imensa quantidade de conteúdo sobre ele por aí. O que quero analisar aqui hoje é a revolta de uma parcela de homens com "Barbie", mais especificamente a ridicularização que eles promovem das mulheres que estão animadas com a película.

Por que a empolgação de mulheres adultas com conteúdos do universo lúdico incomoda tanto homens, muitos deles que têm orgulho de exibir suas coleções de bonequinhos de super-herói ou de se reunir com amigos para uma madrugada de videogame?

Tenho uma hipótese: não é novidade para ninguém que as meninas são precocemente expulsas da infância —seja por formas mais sutis, como ser cobrada a se depilar quando surgem os primeiros pelos na perna, ou de formas extremamente graves, como pelo casamento infantil com homens bem mais velhos do que elas.

Além disso, as brincadeiras socialmente consideradas como de meninas são, em sua maioria, uma imitação da vida adulta, como a famosa "brincadeira de casinha", na qual, essencialmente, as meninas —e eu fui uma delas— ensaiavam para serem adultas responsáveis pelos trabalhos domésticos e cuidados com família e filhos.

Também é muito comum que as meninas brinquem de profissões, como professoras, vendedoras ou caixas de supermercado. Novamente, um constante treino para a vida adulta, ainda que não notem, conscientemente, que é isso que estão fazendo. Eu não notava, mas tenho muito vívida a memória de querer ser adulta logo, de ansiar por isso. E quando converso com homens amigos, a maioria diz que não queria deixar de ser criança, pois imaginavam que ser adulto era chato.
Com isso, a sociedade fortalece a ideia de que "meninas amadurecem mais cedo", que justifica uma série de violações que passamos, como o abuso sexual.

Aos meninos da minha época, fica claro, as brincadeiras não consistiam em imitar os adultos, mas sim em mergulhos profundos em fantasias no sentido etimológico da palavra, já que podiam ficar horas brincando, por exemplo, de criar universos fantásticos e combater os monstros que os ameaçavam. Essencialmente, o mesmo roteiro dos quadrinhos e atuais filmes da Marvel.

A permanência na infância é incentivada aos meninos. E que bom! O problema é isso não ser garantido também às meninas. E o resultado é bastante óbvio na vida adulta. Homens com mais de 30 anos são publicamente chamados de meninos, como acontece com o jogador Neymar, que tem 31.

Não consigo me lembrar de nenhuma mulher adulta que é conhecida, publicamente, como uma menina, mas de forma valorosa. Quando nos chamam, nós mulheres adultas, de meninas, muitas vezes há uma intenção de nos rebaixar, e não de nos valorizar ou de amenizar nossas condutas —a não ser nas conversas entre amigas e no programa da Ana Maria Braga, que todos os dias acorda suas meninas.

Se uma mulher adulta colecionar bonecas, provavelmente será vista de forma ridícula e, possivelmente, patologizada como alguém com traumas de infância ou doenças mentais. Já quando pensamos no universo masculino, há indústrias bilionárias voltadas para o lúdico, como games, filmes e literalmente bonecos de plástico de super-heróis.

Mas os números não mentem, e "Barbie" se tornou a maior abertura para um filme baseado em um brinquedo, porque, certamente, há milhões de mulheres adultas que estão, desde que o filme foi anunciado, relembrando dos seus roteiros com suas Barbies, dos arrojados cortes de cabelos que faziam em suas bonecas, e que também devem estar relembrando dos impactos negativos que essa a personagem causou em nossas vidas, afinal, muito do padrão de beleza vigente veio dela.

A nossa relação agridoce com a Barbie está em evidência. Mas, de qualquer maneira, temos todo o direito de reivindicar o lúdico e nosso acerto de contas com essa personagem que marcou e marca nossas vidas. A gente também está aqui para brincar.