Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Guerra e casamento: histórias de amor que acontecem entre tanques e bombas
Enquanto refletia sobre pontos interessantes da minha última semana para compartilharmos, mais uma guerra começou no mundo. E eu não consegui pensar em mais nada, desde então. Eu tento, mas nada avança. Questões paradas ou feitas de forma arrastada porque a cada minuto, eu busco alguma notícia.
Mas uma coisa é importante frisar: essa é mais uma guerra. Há muitos conflitos deflagrados no mundo nesse momento, apesar das mídias e do mundo europeu e estadunidense falar apenas sobre a guerra na Ucrânia. Quero deixar claro o seguinte: eu sou contra a guerra. Não vejo justificativa alguma na invasão de uma nação soberana, no bombardeamento de territórios, no assombro que é vivido por crianças, idosos e qualquer pessoa. Qualquer pessoa.
E, por isso, é importante explicitar que, enquanto focamos em um conflito, e não efetivamente na paz - e porque ele acontece em território europeu - palestinos e israelenses vivem em uma guerra contínua; territórios da Somália são bombardeados por drones estadunidenses sob o argumento de "guerra ao terrorismo".
Segundo informação da Organização das Nações Unidas, a ONU, há, além da Ucrânia, 28 territórios vivendo conflitos armados no mundo.
Dentre os já destacados também podemos falar de outros como Síria, Mianmar, Afeganistão, Etiópia, Mali, Nigéria, República Democrática do Congo, Quênia, Burkina Faso, Iêmen, entre outros. No caso do último, a despeito de não chamar atenção do mundo, o conflito acontece de modo intenso e fez com que a ONU alertasse para uma "grave crise humanitária" no país, que soma 10 mil crianças mortas ou mutiladas, 11 milhões de crianças precisando de ajuda, 2 milhões fora da escola e 400 mil em insegurança alimentar e fome. Como diz o intelectual e ativista Aílton Krenak: vivemos em guerra todo tempo. Nada mais certeiro.
E nos meus devaneios e navegadas por notícias, fiquei pensando em como trazer uma reflexão para cá sem que eu saísse muito do script, mas não deixasse de demarcar que sou uma noiva politizada, preocupada com o que acontece com o mundo e completamente consciente que tudo impacta a todas nós de alguma forma. E pensei "e como estão os casais durante a guerra?", "é possível falar de amor e casamento sob tanques, fuzis e bombas?" e encontrei surpreendentes histórias.
A primeira é a história de Yaryna Arieva e Sviatoslau Fursin. Ucranianos, ambos correram para se casar quando as sirenes começaram a tocar para avisar o início da invasão russa ao país. Jovens de vinte e poucos, segundo a CNN, o casal se casou em um mosteiro. A celebração já estava sendo organizado, mas ocorreria em maio. Se casaram e, após breve celebração, seguiram rumo ao Centro de Defesa Territorial para lutar por seu país.
A segunda história é um pouco mais antiga e aconteceu na Somália. O casal Guled Mohamed e Anisa tiveram que adiar a cerimônia pelo início do conflito entre o governo e extremistas fundamentalistas. Milhares foram mortos e o casamento ocorreu em um respiro do conflito.
Guled teve de contratar membros de milícias para garantir a segurança do casamento, mas seus familiares, do Quênia, não puderam participar, obviamente, pelo conflito. Mas o casamento aconteceu como uma flor drummondiana nascendo no asfalto. Uma breve recepção ocorreu e o casal pode iniciar a vida juntos, mesmo que enfrentando a retomada dos conflitos e do ambiente de profunda insegurança.
E, por fim, encontrei o relato do premiado jornalista palestino Daoud Kuttab, no Time, sobre como foi a saga e os sentimentos para organizar o casamento de sua filha em Ramallah/Gaza. De cara, o relato aponta os efeitos do conflito entre palestinos e israelenses na data que o enlace teve de acontecer. Segundo Kuttab, casamentos em Ramallah, tradicionalmente, acontecem aos sábados e domingos.
Mas, naquele caso, teve de acontecer em uma sexta-feira. E o relato segue ao apontar que familiares que chegaram dos Estados Unidos, após uma viagem com variadas escalas e trajetos alternativos, passaram por 6 horas de interrogatório israelense para serem liberados, e ainda com a exceção de um dos sobrinhos de Kuttab, que foi impedido de entrar no país sob o argumento de ter participado como voluntário de grupos de jovens cristãos pela paz.
O casamento aconteceu sob imensa tensão e, inclusive, com conflito de visões entre os convidados, já que uma parte constituía sua análise a partir da mídia ocidental, que pintava, e pinta, palestinos como terroristas e israelenses como vítimas; ao passo que a mídia árabe noticiava, e noticia, palestinos como heróis da resistência e israelenses como vilões. O que Kuttab chama a atenção é para as variadas nuances e problemáticas em torno desse histórico conflito, de dimensões políticas e que não será resolvido nunca pela via militar e pela intensificação da violência.
Essas três histórias foram pinceladas por mim dentre várias outras. Não há uma questão específica, se não o critério de garantir a representação de diversos territórios pelo mundo, com pessoas tão diferentes, mas tão unidas por terem suas vidas atravessadas pela violência da guerra. Quando falamos sobre "guerra mundial", deveríamos levar em conta as várias guerras em curso hoje. Nessa perspectiva, teremos a dimensão de que o mundo já está em guerra, mesmo que em conflitos locais.
Pessoas têm de modificar totalmente suas vidas, são milhões de refugiados pelo mundo, ondas migratórias em fuga da violência. O amor prevalece. Mesmo sob conflitos sangrentos, extremamente violentos, rearranjos vão sendo feitos, a união acontece, as reuniões possíveis acontecem. Mas o desejado mesmo deve ser para que esses rearranjos não precisem acontecer. Precisamos de paz.
O amor pode ser uma tensão, pode ser um fazimento e um exercício que desabrocha em toda e qualquer borda e rachadura. Mas sempre terá resultado positivo e de compartilhamento. A guerra é o ódio que Audre Lorde definia como sentido de extermínio. Nada de bom pode advir ou surgir da guerra.
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