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Luciana Bugni

Distanciamento Social, na Netflix, faz abril de 2020 parecer outra vida

Social Distance, a série da Netflix toda produzida no Zoom - Reprodução
Social Distance, a série da Netflix toda produzida no Zoom Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

26/10/2020 04h00

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Essa tela em que escrevo tem um palmo e meio de comprimento. Parece pouco, mas nela coube quase tudo que foi importante nesse ano de 2020. Foi nessa tela em que eu coloquei um vestido de paetê e batom para comemorar a união estável de dois amigos. Que tomei café da manhã com meu primo que mora em Berlim, enquanto ele e sua família almoçavam num domingo. Foi aqui que fiz um happy hour com amigas em Vancouver, Cidade do México, São Francisco, Lisboa, Brasília, Santa Catarina, ou no bairro do Ipiranga. Essa tela aproximou as distâncias e foi a única maneira de sobreviver com afeto por um tempo de muitas incertezas.

Faz sete meses e meio que formos surpreendidos pela pandemia. Em março, depois de uma tarde de sol, voltamos de nossos compromissos e ficamos por meses em casa. Eu estava em uma praça, comemorando o aniversário de uma amiga. Você deve se lembrar também o que estava fazendo — como naquelas histórias de 11 de setembro que revivemos perguntando "onde você estava quando o avião bateu na torre?". A gente estava por aí e BUM, nossa vida mudou totalmente.

Em janeiro desse ano, quando baixei o aplicativo Zoom num lobby de hotel do Largo do Arouche para passar por uma entrevista de emprego, mal sabia que passaria o resto do ano olhando para essa tela. Desde então, tive reunião — muita reunião. E aula online. E consulta médica. E festa toda sexta. Por isso, quando começa Distanciamento Social, a série da Netflix gravada do auge da pandemia, em abril, sentimos uma sensação de deja vu.

Eu não fui em velórios online, como num dos episódios da série, mas passei longos períodos no Zoom conversando sobre os amigos que perdi esse ano. O cuidado com os filhos, a falta de paciência com eles, o casamento em crise, as incertezas de lock down, de trabalho, as dificuldades de adaptação: tudo que está em Distanciamento Social esteve em nossas casas em maior ou menor intensidade nesse ano. Mas agora, com o país ensaiando uma retomada, parece um período distante, outra vida. Embora, apesar da diminuição tímida do número de mortos no país, pouca coisa tenha mudado desde abril.

As ruas vazias que aparecem na série da Netflix estão longe de serem realidade nesse outubro. Mas muito do que somos hoje foi moldado naqueles dias lavando as compras, fazendo pão e trabalhos manuais, assistindo o noticiário, dividindo o tempo entre as lives do Átila e as reprises dos jogos da seleção brasileira na Copa de 70.

A pandemia não acabou. Apesar de não termos saído dessa ainda, somos pessoas um pouquinho mais esperançosas, depois de tudo o que passamos. Seguimos avisando os outros que o Zoom está no mudo. Ou ansiosos pelo noticiário para saber quando vem a vacina.

Hoje tem reunião, sexta-feira tem happy hour. Nada mudou, mas está tudo assim tão diferente.

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