Não há música inédita, mas Renato Russo ainda é culpado por sofrimento
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2020, gente do céu, não cansa de nos causar mais sofrimento. Não bastando todas as pragas lançadas sobre nós no ano mais esquisito de nossas vidas, veio a notícia de que uma operação policial batizada com o poético nome de Será estava procurando músicas inéditas de Legião Urbana por aí. O compositor do material, Renato Russo, teria deixado as canções em um estúdio, onde esteve no fim da vida. Seu filho, Giuliano Manfredini, foi quem fez a denúncia. Nesta terça (27) a história foi desmentida. Não são músicas inéditas e há muito pouco a ser espremido do material, como revela essa entrevista exclusiva dada à Splash.
Imagina só a possibilidade de alguém estar vendendo clandestinamente músicas feitas por um dos maiores ídolos da geração dos anos 80 e espalhando versos sofridos por aí. Era só imaginação.
Renato Russo é meu ídolo, sim. Mas também é meu algoz. Revivo aqui a sensação que veio à tona quando o ator Wagner Moura achou que seria uma boa ideia pegar os microfones e cantar com Dado e Bonfá, em 2012, para um especial da MTV.
Eu estava lá cantando Faroeste Caboclo à capela com outras centenas (milhares?) de pessoas como eu. E constatando: a nossa geração não deu certo. A gente sofre demais, a gente pensa demais, a gente se julga demais. E o responsável é um só: Renato Russo.
Uma geração que foi educada sentimentalmente por esse cara não ia crescer direitinho.
Um amigo disse: "pros fãs de Camisa, tinha a Sílvia; quem gostava de Ultraje, tinha sexo pelado. A gente não. A gente estava ali, pirando em Acrilic on Canvas com nossos LPs na mão. E o que nos sobrou?" Saudade então, e mais uma vez. Que escolha foi essa?
Somos (quase) tão jovens
Na época do show com Wagner, o último grande arroubo de Legião nessa longa e confusa década, não entendi a proposta. Alguém ainda ia querer gritar, no saudoso 2012, frases sobre um suicídio e dizer que a culpa é dos nossos pais? Queria. Muita gente queria. Eu quis. Wagner Moura, como tantos, era um fã. Ele também "queria ser como os outros e rir das desgraças da vida".
Enquanto as novas gerações estão por aí querendo brincar com o bumbum, a gente está querendo alguém com quem conversar. E não é só isso. Precisa ser alguém que não use o que eu disser contra mim. Não é culpa nossa. A culpa é do Renato Russo. E dos nossos pais, claro, que deixaram a gente trancado nos quartos por horas com aqueles disquinhos e a desculpa: "deixa as crianças, é só rock".
Não fosse essa educação sentimental equivocada, não estaríamos discutindo em nossas intermináveis DRs se é dor ou vaidade — muito menos argumentando que o relacionamento terminou só para uma das partes. Desculpe, Renato, não tem como. Não dá para viver uma relação quando o outro já saiu fora.
Olha o tempo que você fez a gente perder com tanta coisa que machuca, desde que partiu, há 24 anos. Só porque você não tinha o tempo que passava todo dia quando acordava, não quer dizer que a gente vai fazer o mesmo. A gente precisou do líder sentimental na adolescência. E agora, precisamos mesmo é de culpados. Sinto muito. Lembra que o plano era ficarmos bem?
Foi ele quem ensinou que era normal sermos animais sentimentais que se apegam facilmente ao que desperta o desejo. Pô, podia ter pegado mais leve nessa. E agora? Estamos há quase 30 anos cortejando a insanidade, e o equilíbrio que é bom, ninguém viu. Tá, já passou, quem sabe outro dia.
É 2020, nós não temos nenhuma resposta e o caos está aí, seguindo em frente com essa calma toda. E o único alento que Renato deixou foi uma condenação: é só a gente quem tem que decidir o que fazer para tentar ser feliz. Aí sim, nada mais vai nos ferir. Meritocracia oitentista da melhor qualidade. Poucos se salvaram. A ameaça de 30 músicas inéditas com mais sofrimento não passava de um susto.
A mim, parecia uma ótima ideia. Um material desse poderia me alimentar por mais uns 15 anos de muita dor e angústia.
A gente pode sofrer mais junto no Instagram.
PS: Trechos desse texto foram tirados de "Tributo à Legião Urbana: a culpa é toda do Renato Russo", escrito por mim em 2012 no site Papo de Homem. Sigo botando meus disquinhos para tocar quando não tem ninguém em casa para reclamar. ;)
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