Dani Calabresa na Globo: mulheres podem ser cúmplices de assediadores?
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A sexta-feira (4) amanheceu amarga com a leitura da reportagem "E o que mais você quer, filha, para calar a boca?", de João Batista Jr., na Piauí. O texto primoroso e apuração detalhada narra a saga de Dani Calabresa dentro da Rede Globo, empresa onde trabalha, para denunciar os assédios sexuais que sofreu de seu ex-chefe, que era diretor no canal, o humorista Marcius Melhem.
O texto desce engasgado porque, além da simpatia quase unânime que sentimos pela divertida e afiada Dani Calabresa, há também a identificação. As mulheres conhecem tudo o que a reportagem narra, seja como protagonista, como foi a atriz, seja como testemunha. E, em muitos casos, como nessa história que vem à tona hoje com riqueza de detalhes, o silêncio se arrasta por muito tempo.
Passamos a manhã em grupos de Whatsapp contando histórias de assédio. Percebo que mesmo hoje, em 2020, narramos o que sofremos sem falar o nome dos agressores. Medo ou a eterna sensação de que temos parcela de culpa nas agressões estão entre os motivos. Ou vergonha. Vergonha de se expor, vergonha de ter vivido, vergonha de ter medo ou culpa. Muita vergonha.
Nas inúmeras situações em que vivi isso na carreira, minha reação foi sempre o silêncio. A ponto de não comentar nem com as colegas mais próximas. Imagina então reclamar com um chefe, levar a para cima, reviver a situação em reuniões de cinco horas com outros chefes, cada vez mais poderosos?
Dani foi muito corajosa, afinal, sabemos que tinha muito a perder. Protagonista do programa de humor em destaque na casa, ela dependia de uma boa relação com o chefe para novas oportunidades na carreira. A deles, como narra a reportagem da Piauí, ficou insustentável. Os elogios e galanteios, como gostam de tachar os que insistem em viver no mundo de antigamente, eram ofensivos. Havia abordagens físicas. Curioso que tenha sido bem Melhem a romper com o humor machista de décadas passadas dentro da emissora. A reconstrução do homem é mesmo permanente.
O mesmo vale para as colegas de Zorra na emissora. Testemunhas do assédio, se calaram, assinaram um manifesto de apoio ao chefe, sempre com a desculpa de "comigo não rolou". O que contradiz o movimento de 2017, na ocasião da demissão de José Mayer. Mexeu com uma, mexeu com todas, certo? Mas não dá para condenar as colegas de Dani também. O medo é recorrente. Fazer vista grossa pode proteger sua carreira, seu futuro. A incerteza do apoio da chefia é a verdadeira culpada, e não as colegas de Dani que ficaram caladas e hoje são condenadas no fórum da internet mais que o próprio vilão da história, o assediador. Tem algo muito errado aí.
E hoje, na manhã em que Calabresa acorda com seu nome no topo da lista dos assuntos mais comentados do Twitter, qual seria sua sensação? Arrisco dizer que alguma sensação de justiça cercada pela mesma velha conhecida vergonha. De estar exposta, de ter ficado sozinha, de ter sido julgada pelos colegas. Como é dolorido mudar o mundo.
Que a coragem de Dani seja o motor para mais denúncias. Que a gente encontre o suporte nas mais altas esferas do mundo corporativo — infelizmente ainda é preciso que um homem do alto escalão acredite nas histórias de assédio para que elas tenham consequências para assediadores.
Que a Globo não varra um trâmite desses para de baixo do tapete, como fez nos últimos anos. E que a punição fique clara para todos e sirva como exemplo do comportamento inaceitável.
Quantos empregos isso vai custar? Provavelmente muitos. Mas a coragem de Dani, como disse Rosana Hermann no Twitter, é um convite a revisitarmos nosso passado. Para que todas as vezes em que me calei diante de assédios morais e sexuais sirvam de lição para futuros diferentes.
Mudar o mundo é dolorido, Dani Calabresa. Dá medo num montão de gente. Mas você não está sozinha, não.
A gente pode falar mais disso no Instagram.
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