Apalpar colega na Alesp: quantos Fernando Cury há no seu trabalho?
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Eu tinha 9 anos quando fui apalpada sem consentir por um colega de classe na terceira série da escola pública. O fato, ocorrido há várias décadas, volta claríssimo à minha memória quando vejo qualquer situação de agressão como a da deputada Isa Penna (PSOL), na Alesp, na quarta (16).
Seu colega agressor, Fernando Cury (Cidadania), parece ter comentado com a roda de homens em que estava que faria aquilo. Sai da conversa como macho alfa pronto para o abate da presa. Todos ficam inertes. O raciocínio é algo como: se ela não quer que eu passe a mão nela, porque está exibindo seu corpo ali? E então a pega por trás, com a intimidade de um casal que escova os dentes juntos de manhã.
Com a diferença de que eles não são um casal, não têm intimidade, e estão num lugar público. A brincadeira é um crime.
A reação após o constrangimento de Isa nas imagens da Alesp foram o avesso do que eu fiz na infância. Lembro de me virar assustada, ver o garoto rindo, ver o grupo de amigos dele mais atrás rindo também. Fiquei com vergonha, achei que a culpa era minha, da minha calça do uniforme, da minha mania de ser tonta. Não comentei com absolutamente ninguém. Nem professora, nem mãe, nem outras crianças. O assédio, o abuso e a agressão são ensinados desde muito cedo para as crianças. A impunidade também. Onde estará o garoto que achava a brincadeira engraçada quando era criança hoje, aos 40 anos? Quantos Fernando Cury existem no seu escritório?
Você é simpática ou está pedindo?
A sinuca de bico é essa: a gente tem que ser simpática no trabalho, mas na cabeça do homem, a linha é muito tênue entre ser alguém receptiva e estar pedindo para ser assediada. Por muito tempo achei que a culpa era minha (sensação fortalecida por relacionamentos abusivos que aumentam essa mentira). A culpa não é da mulher, como fica claro no vídeo em que Isa é violentada em seu trabalho. Mas eles estão em suas rodas repetindo a máxima que estávamos pedindo.
Não é raro nos vermos em reuniões com sete, oito pessoas, todos homens. Sendo a única mulher de várias coberturas das quais participei, fica sempre a sensação de inadequação. Que pode vir um algum comentário constrangedor a qualquer momento. Aprendemos, desde muito cedo, a ficar quietas e não retrucar nem denunciar. Essa mudança, com a coragem que teve Isa de subir num palco e dizer que foi apalpada em público é louvável. Dani Calabresa tem dado uma aula disso também. Discretamente mudando o mundo e uma cultura de anos das empresas. E levando com ela um coro nada silencioso. É para fazer escândalo, sim.
Fernando Cury se defende dizendo que nunca fez o que vemos nas câmeras que ele fez. As mesmas desculpas de tantas agressões diferentes que vemos por aí. Que bom que a realidade em 2020 está toda filmada. E que mulheres como Isa dizem bem alto que o assédio e a agressão não podem ser vividos em silêncio.
As mulheres ainda se veem trabalhando entre colegas da terceira série. Mas agora eles têm 40 anos e podem pagar pelos crimes perdendo seus empregos.
Isso se, claro, os outros homens que os julgam (provavelmente mais colegas da terceira série) tiverem a decência de perceber a gravidade da situação. Temos câmeras, existem redes sociais, há indignação para contar o que acontece. E estamos juntas.
A garotinha assustada do começa da década de 90 ia ficar triste de saber que a molecagem continua na vida adulta. Mas está aqui agora, pelo menos, lutando contra a impunidade.
O medo de ser pego em denúncias é a única coisa que pode corrigir tantas décadas de machismo violento instaurado.
Esse tipo de situação está diminuindo — é o que sinto nos lugares em que trabalhei recentemente — e um dia vai acabar. A gente vai continuar falando alto enquanto isso.
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