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Luciana Bugni

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Meu dia com Karol Conká: ela atrasou 3 horas mas conquistou todo mundo

Ensaio que Karol Conká fez para Universa: as fotos ficaram lindas - Marcus Steinmeyer/UOL
Ensaio que Karol Conká fez para Universa: as fotos ficaram lindas Imagem: Marcus Steinmeyer/UOL

Colunista de Universa

11/02/2021 04h00

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Há quase dois anos, Karol Conká foi a nossa entrevistada no Sem Filtro, aqui de Universa. Eu era editora e participaria da entrevista com a repórter Luiza Souto, que tinha armado tudo. O Sem Filtro exige uma preparação grande. O produto multimídia tem texto, imagens muito bem-feitas e o vídeo. E tem que ter boas aspas. Envolve mais de dez profissionais e muitos detalhes. É o que a gente chama de um trampo daqueles.

Sem Filtro - Karol Conká - Marcus Steinmeyer/UOL - Marcus Steinmeyer/UOL
Andamos sem paciência para Karol?
Imagem: Marcus Steinmeyer/UOL

Pensei muito nessa entrevista nos últimos dias. Será que Karol teria nos dito algo que desse sinais do que veríamos no BBB? A aspa que deu nome à entrevista era: "Sem paciência para babaca". O curioso é o que discurso é mais ou menos similar ao que o público está tendo ao ver as atitudes da cantora no programa. Andamos sem paciência para Karol, numa reprodução da violência que estamos condenando. Quem está sem paciência e quem é babaca, se nos relacionamentos esses rótulos se invertem o tempo todo? Você deixaria Karol Conká comer à mesa com você?

Não é o ideal, mas acontece

No dia da entrevista, reservamos o estúdio de TV do Uol, no MOV, onde aconteceriam as fotos. Como a redação do Uol é muito grande e se grava muita coisa ao mesmo tempo, essas horas de reserva são contadinhas. Uma pra maquiagem e produção, duas pra foto, uma pra entrevista. Tudo justo. E sempre aquela tensão de não atrasar para não ferrar o próximo colega.

Pois Karol atrasou para chegar. Não meia hora, que já mudaria radicalmente o cronograma de tudo e apressaria nossa equipe. Ela atrasou três horas. Eu ali, como líder do trabalho, fiquei tentando contornar as consequências do que viria.

Acalmando os profissionais externos que foram contratados para resolver em um determinado tempo e perderiam o dobro naquilo (pensando positivo). Tomando bronca da chefia por ter bagunçado o cronograma de um dia todo nos estúdios. Sorrindo e acenando. Sabe como é.

Sem Filtro - Carol Conká - Marcus Steinmeyer/UOL - Marcus Steinmeyer/UOL
As fotos ficaram lindas, a entrevista rendeu e Karol conseguiu conquistar a equipe
Imagem: Marcus Steinmeyer/UOL

Quem trabalha com celebridade sabe que isso é comum e a culpa não é de ninguém da equipe. Sem Karol ali, não haveria entrevista. Então, a única atitude possível é esperar. São momentos bem tensos. Mas a gente fica ali tentando fazer todo mundo se sentir minimamente bem para começar o trabalho, quando for a hora de iniciá-lo. Por que é aí que começa o desafio de verdade. Sabe aquele meme? Não é o ideal, mas acontece.

Ela chegou e encheu o camarim

Karol chegou finalmente, num macacão camuflado, como quem vai para a guerra. Alguém brigou com ela? Não. Alguém fez cara feia? Não. Pelo contrário. A gente ficou sorrindo. Magrinha, com 1,65m, Karol é mais baixa que eu. Mas encheu o espaço de uma maneira que não sobrou mais nada: nem a tensão. A gente ficou ali vendo ela falar, escutando o soul que ela colocou na caixa de som (eu fechei a porta do camarim para o pessoal que estava editando em MOV não me matar pela música alta). Vendo as roupas maravilhosas que ela ia vestir. Conversando sobre filhos na adolescência — e mãe fala de outra coisa?

Saímos dali (eu, Luiza Souto e o editor de fotografia Lucas Lima) bem tarde da noite. O atraso nos custou várias horas. Mas estávamos felizes. A entrevista tinha rendido, Karol tinha até se emocionado, sabíamos que as fotos tinham ficado lindas e ninguém tinha matado a gente de verdade (mas ameaçaram). A cantora tinha seduzido a gente. Atraso? Que atraso? Você viu como ela ficou gigante quando calçou aquela plataforma?

Corta para o BBB

Sempre que jornalista tem um contato próximo com uma celebridade, estipulamos que sabemos algo delas. Afinal, meu papel como entrevistadora seria arrancar verdades a respeito da personalidade da cantora para que você, leitor, pudesse mergulhar nela. Por isso, quando vi quem ia ao BBB, pensei: tem uma delas ali que eu conheço. E quando tudo começou a acontecer na casa, fiquei surpresa. Nada daquilo era como eu lembrava da tarde nos estúdios da Faria Lima.

O texto da matéria descreve nossas impressões: "Sem nunca gaguejar, com gestos que podem ser ensaiados, mas parecem espontâneos, e olhar penetrante, nada mesmo deve abalar suas estruturas".

Conversei com Lucas Lima e ele me disse que não estava exatamente surpreso, lembrando que é normal a gente se deixar seduzir por discursos meio rasos porque é o que queremos ouvir. As redes sociais potencializam isso nos fechando em bolhas. No fim, não é tão diferente de estar fechado em uma casa com 20 pessoas, precisando muito de um líder. E assim dá para entender a fidelidade de algumas das pessoas da casa, quando mesmo quem se sente atacado não reage. Olha a ficha do Bil que só caiu com ele aqui fora.

"Sou muito feliz, embora não transe muito porque não tenho tempo nem saco para gente babaca"

Fui procurando no texto e nos vídeos a humanidade dela, que o público parece não ver no reality em que ela virou vilã para o Brasil. "Meu pai era alcoólatra, e minha mãe, depressiva. Prometi para mim mesma que nunca perderia minha lucidez para não decepcionar meu filho. Porque eu vi meu pai, que era meu herói, por várias vezes, em coma alcoólico ou dormindo na rua e fingia que não era ele. Isso é muito doloroso para a criança. Quando estava depressiva, meu filho não ficou sabendo, porque eu sou a única fonte de força que ele tem", ela nos disse. Karol aprendeu a contornar a própria dor do alcoolismo do pai fingindo que ele não existia. É fácil repetir esses padrões na vida adulta. Difícil é ter ferramentas para lidar com o que incomoda. Não falo por ela, apenas: falo também por mim e por você.

Faz sentido dizer que homens têm medo de mulher independente? Sim. Mas isso não pode servir de desculpa para ter atitudes agressivas. Não precisa ser princesinha, mas não precisa ser violenta. Mesmo quando essa é a única defesa que parece viável.

E aqui entra uma outra frase dela que explica algumas coisas:

"Gente, a internet está enlouquecendo todo mundo. Parece que todo mundo encachaçou e saiu falando. Todo mundo te filma o tempo inteiro, tira toda a sua liberdade, edita tudo que você fala. É o tipo de coisa que me limita. Eu não vou a várias festas. Eu não vou a quase lugar nenhum. Eu só trabalho, porque, na verdade, eu só gosto de fazer isso mesmo. A minha dica é: vá para o psiquiatra".

Sem Filtro - karol Conká - Marcus Steinmeyer/UOL - Marcus Steinmeyer/UOL
Karol Conká: ela reage do jeito que aprendeu
Imagem: Marcus Steinmeyer/UOL

Karol diz que não vai aos lugares públicos porque se sente castrada. Que não namora porque não tem paciência para babaca. Que anda com pessoas selecionadas, amigos de infância, porque sabe que as outras pessoas vão tentar tirar dela algum bônus por ser famosa. Ela entra na casa com todas essas máximas muito claras em sua cabeça. Ela se sente segura no trabalho. É o que ela gosta de fazer. É onde não se sente ameaçada. Então, ela dá ordens. Estipula regras e inventa histórias. Todo resto é gente tentando tirar proveito dela, logo, é babaca. E aí ela reage do jeito que aprendeu.

Volta para o começo do texto: o trabalho de Karol também é onde ela se atrasa três horas para um compromisso e é recebida com sorrisos. É onde tudo orbita em volta dela. Se ela ficar irritada, não tem entrevista. Não tem clipe. Não tem show. Na casa do BBB, ela reproduz essa lógica. Mesmo que os colegas de confinamento não sejam seus funcionários, Karol age como a líder, mandando e desmandando, dizendo quem pode comer à mesa. Inventando culpados para um rejeição que ela não está acostumada a enfrentar. Justificando tudo com a mesma expressão de 2019: quem não fez o que ela quer é babaca, e ela não tem paciência para babaca.

É muito difícil percebermos nossos erros se não temos alguém de confiança por perto para nos alertar. Mulheres de personalidade forte como Karol podem estar ainda mais fechadas para isso. Quer um exemplo? Ninguém naquele grupo de dez pessoas que a esperou por três horas mencionou seu atraso para ela. Olhando daqui, nem sei dizer se ela sabe que errou. Eu, por exemplo, aqui no sofá de casa julgando suas atitudes pela TV, não a avisei que ela tinha dado uma mancada comigo quando tive a oportunidade. Posso dizer ainda mais: eu esqueci do atraso. Quem me lembrou foi Luiza numa conversa recente. Olha só isso, eu tomei uma bronca feia da chefia por um erro da Karol e guardei dessa tarde só as fotos bonitas num fundo cor de rosa. Pessoas magnéticas têm muita facilidade em ser manipuladoras. Podem ser que elas nem saibam onde estão errando. E ninguém avisa.

Agora me diz: imagina se você cancelado por algo que nem sabe que está fazendo de errado?

Estou absolvendo Karol Conká? De jeito nenhum, nem é meu papel. Estou dando uma volta para tentar acolher. É fácil eleger culpados. O quanto do comportamento dela estamos reproduzindo no dia a dia porque não temos paciência para quem pensa diferente? Quando ela sair da casa, provavelmente com rejeição recorde pelo que promete o público, será necessário pensar em tudo isso. Alguém vai dar esse tempo para ela se compreender?

Às vezes, uma pessoa de quem seu trabalho depende atrasa três horas. Às vezes, o cara que você achou gatinho não quer ficar com você. Às vezes, pensa só nesse perrengue, o reality show que você ia assistir para esfriar a cabeça vira um tratado psicológico seríssimo sobre você mesmo... A gente lida com contrariedades o tempo todo. Mas o grande lance é aprender a ter paciência com elas.

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PS: Esse texto só existe porque meus parceiros de trabalho por muitos meses foram Luiza, Lucas e tantos outros. A gente cresce melhor na profissão e na vida quando cresce junto escutando o outro.