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Maria Carolina Trevisan

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Prisão de Silveira é ato excepcional imposto por anormalidade política

O deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) - Divulgação/Deputado Daniel Silveira
O deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) Imagem: Divulgação/Deputado Daniel Silveira

Colunista de Universa

18/02/2021 17h09

A prisão do deputado federal bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) foi uma medida extravagante do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas a decisão do ministro Alexandre de Moraes, acatada por unanimidade pelos outros 10 ministros, foi necessária. Não é de hoje que a Corte tem sua institucionalidade vilipendiada e que a Constituição vem sendo afrontada: desde 2016, com mais força na campanha presidencial em 2018, há tentativas de desacreditar o Supremo, desvalorizar a democracia e a relação entre os Poderes e saudar a ditadura militar.

Com a eleição de Jair Bolsonaro (sem partido), parlamentares bolsonaristas se sentiram legitimados para encampar discursos antidemocráticos. Tornou-se também evidente e provada a influência do uso de fake news para influenciar a eleição, inflamar a base bolsonarista e pressionar parlamentares, colaborando para corroer a democracia. Junte-se a esse caldo a inação de Augusto Aras, procurador-geral da República, que, pressionado, nesta terça (16) teve de listar ao Supremo nove investigações contra o presidente Bolsonaro.

"O inquérito do STF é extravagante mesmo. Não seria instaurado em tempos de normalidade política", afirma Conrado Hubner, professor de Direito Constitucional da USP. Ele alerta que é importante, no entanto, determinar com mais clareza o limite entre as declarações que incitam a violência e o que se enquadra em liberdade de expressão.

"Existe poder de instaurar inquérito, mas o procedimento de instauração e o objeto poderiam ter sido melhores. Diante de um PGR colaboracionista, de cuja inércia não cabe recurso para ninguém, o STF recorreu a uma ferramenta excepcional. Do pouco que o STF tem feito para controlar abusos e omissões governamentais —apesar de acreditar que tem feito muito—, o inquérito tem tido alguns resultados interessantes. Claro que não podemos nos satisfazer com uma justificativa instrumental para o inquérito, como se qualquer uso de poder seja aceitável pelos fins que atinge", diz.

E pondera: "Mas não estamos em tempos normais quando tem gente disparando rojão mirando o prédio do STF, o PGR vê liberdade de expressão, o presidente da República pede o fechamento da Corte e as Forças Armadas se engajam num debate sobre o artigo 142 da Constituição, inventando uma hipótese sobre intervenção militar que lá na Constituição não está."

Os próprios ministros de Bolsonaro trataram o Supremo com desprezo na fatídica reunião ministerial de 22 de abril de 2020. Primeiro, a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) chamou de "palhaçada" a decisão do STF de permitir o aborto legal em caso de zika vírus e insinuou que o Supremo faria o mesmo para situações de coronavírus. "Será que vão querer liberar que todos que tiveram coronavírus poderão abortar no Brasil? Vão liberar geral?."

Na sequência, o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, chamou de "vagabundos" os ministros do STF. "Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF", em um aparente desabafo por ter sido questionado como racista ao se dirigir de forma racista aos chineses em suas redes sociais.

O STF começou a se preocupar efetivamente com as ameaças à democracia quando elas se tornaram ataques pessoais. Em maio de 2020, após determinação do ministro Alexandre de Moraes de barrar nomeação de Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal, o ministro foi ofendido diante de sua casa e duas pessoas foram detidas e respondem a processo.

Em junho, um grupo de bolsonaristas marchou até o prédio do Supremo e promoveu ataques ao prédio com fogos de artifício e gritos de ameaças aos ministros, estimulados pela postura do presidente Bolsonaro. O chefe do Gabinete de Segurança Institucional, ministro general Augusto Heleno, se esquivou de responsabilidade dizendo que não sabia da manifestação, algo difícil de conceber para um órgão de investigação que tem listas de supostos integrantes de grupos antifascistas e jornalistas críticos ao governo.

Também em junho o blogueiro bolsonarista Osvaldo Eustáquio e a ativista de extrema-direita Sarah Winter foram presos na investigação que apura participação nos atos antidemocráticos.

Liberdade de expressão x violação de direitos

O deputado Daniel Silveira foi preso por proferir ofensas a magistrados, além de ameaçá-los e por defender a ditadura militar. É importante a ação do Supremo e também é fundamental que se estabeleçam critérios claros para que não exista perigo de confundir liberdade de expressão com violação de direitos. Trata-se também da mesma pessoa que participou de ato ao lado do governador afastado do RJ, Wilson Witzel, em que ele quebra a placa em homenagem à vereadora Marielle Franco.

A prisão faz parte do inquérito 4781, cujo objeto é a investigação de notícias fraudulentas (fake news), falsas comunicações de crimes, denunciações caluniosas, ameaças e demais infrações, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal e de seus membros, além da verificação da existência de esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário e ao Estado de Direito.

Veja declarações de apoio ao deputado Daniel Silveira: