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Maria Carolina Trevisan

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Bolsonaro se isola, estica corda e pressão aumenta sobre PGR e Congresso

Colunista do UOL

31/03/2021 12h21

Quanto mais acuado, mais Jair Bolsonaro (sem partido) estica a corda e menos respeito pelas instituições democráticas demonstra. Tem sido assim desde o princípio de seu governo. A renúncia conjunta dos três comandantes das Forças Armadas, Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Moretti Bermudez (Aeronáutica) e a demissão do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, evidenciaram algumas questões importantes.

A primeira é que para defender seus interesses, Bolsonaro destila sua cólera autoritária na tentativa de intimidar todos os setores, inclusive as Forças Armadas, expondo à vergonha histórica seus ministros generais. A segunda é que o presidente é capaz de aprofundar a crise política, causar instabilidade no país e incitar sua base mais radical — e mais armada que nunca — para fazer valer seu posicionamento. E a terceira — a mais trágica — é que pouco lhe importam as milhares de vidas perdidas para a pandemia de covid-19 e a liderança mórbida que coloca o Brasil no primeiro lugar do mundo em mortes diárias para o coronavírus.

Com essa postura, Bolsonaro demonstra mais uma vez o desespero de perder as eleições em 2022 e com isso se expor (junto com seus filhos) à justiça comum. Sem a proteção de um cargo público, Jair se torna passível das mesmas investigações que qualquer cidadão.

Ao insuflar o caos, o presidente se mostra despido: no isolamento em que se coloca, sobram apenas os mais radicais e irracionais, número insuficiente para ganhar o pleito democraticamente, mas, ao mesmo tempo, loucura suficiente para causar um tumulto violento, semelhante ao que se viu na invasão do Capitólio, nos Estados Unidos.

Bolsonaro se utiliza dessa barafunda. Agindo assim, precisa ser limitado e contido em seus arroubos golpistas. O país precisa focar no enfrentamento da pandemia urgentemente.

O papel da PGR e do Congresso

"Quem decide se um povo vai viver na democracia ou na ditadura são as suas Forças Armadas", declarou Bolsonaro a apoiadores no dia 18 de janeiro deste ano, em frente ao Palácio do Planalto. Tentava preparar o campo para o que viria nesta terça (30), véspera do aniversário do golpe militar: mostrar que as FFAA estariam a seu lado em qualquer decisão, como se fossem instituições de governo e não de Estado, de acordo com o que está definido na Constituição. Em janeiro vivíamos o auge da crise da falta de oxigênio em Manaus (AM).

Naquele momento, a manifestação de Bolsonaro gerou representações protocoladas por políticos e partidos para que o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, investigasse o presidente por sua atuação (negligência e omissão) na pandemia. Aras, por sua vez, se posicionou dizendo ser atribuição do Congresso Nacional a responsabilização de integrantes da cúpula dos Três Poderes por ilícitos no combate à covid-19. O PGR se mostrava — mais uma vez — incapaz de botar em prática uma de suas principais atribuições: investigar e propor ações penais aos tribunais superiores contra autoridades com foro privilegiado, como o Presidente da República, ministros, senadores e deputados federais. Seria uma maneira de determinar limites e restringir condutas que sejam ainda mais danosas à sociedade.

Aquele comportamento de Aras gerou uma reação de seis integrantes do Conselho Superior do Ministério Público Federal (MPF), que reforçaram ser função do procurador-geral da República investigar autoridades. "Referida nota [da PGR] parece não considerar a atribuição para a persecução penal de crimes comuns e de responsabilidade da competência do Supremo Tribunal Federal", afirmaram os subprocuradores. "Tratando-se, portanto, de função constitucionalmente conferida ao procurador-geral da República, cujo cargo é dotado de independência funcional."

A dificuldade de Aras em investigar Bolsonaro está ligada ao seu desejo de ser indicado pelo presidente para ocupar a vaga do ministro Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal (STF), que anunciou a aposentadoria em 5 de julho. Descuida de seu papel agora em busca de uma cadeira no Supremo.

A OAB Nacional (Ordem dos Advogados do Brasil) protocolou em 23 de março uma representação na Procuradoria-Geral da República (PGR) em face do presidente, Jair Bolsonaro. Requer o oferecimento de denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que o chefe do Executivo federal seja processado criminalmente diante de transgressões ao Código Penal ao longo da pandemia da covid-19. "Requer a adoção de providências junto à Suprema Corte por entender que o presidente da República deve responder pelos crimes comuns previstos nos artigos 132 (Perigo para a vida ou saúde de outrem), 268 (Infração de medida sanitária preventiva), 315 (Emprego irregular de verbas ou rendas públicas) e 319 (Prevaricação), entre outros, todos do Código Penal", diz comunicado da entidade.

Nesta quarta (31), a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns encaminhou ao Procurador-Geral da República uma manifestação de apoio à representação da OAB "para investigação de condutas criminais do Presidente da República face à crise da pandemia da Covid-19 no Brasil". Além de endossar os argumentos apresentados pela OAB, a Comissão Arns cobra a instauração de denúncia crime contra Bolsonaro e informa que pretende requerer a sua inclusão nos autos como amicus curiae (amigo da corte) para acompanhar e intervir em todos os termos da ação penal.

Cabe ao PGR investigar os casos de crime comum imputados a autoridades com foro privilegiado e cabe ao Legislativo investigar casos de crime de responsabilidade.

O ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), deixou a cadeira com 57 pedidos impeachment na gaveta. Alegou que até aquele momento, não existia "clima" para a abertura de um processo de impeachment e que isso levaria a mais instabilidade política.

Com a vitória de Arthur Lira (PP-AL), candidato de Bolsonaro, perdeu força a possibilidade de abertura de processos de cassação contra o presidente. Mas os partidos que compõem o centrão se aliam a quem lhes interessa. Ao caminhar para o enfraquecimento, e diante do desleixo com a saúde da população, se o centrão concluir que apoiar Bolsonaro pode prejudicar seus partidos nas eleições de 2022, também desembarca. Se isso acontecer, é possível que ocorra a "tempestade perfeita", em que os votos a favor do impeachment somam 2/3.

Do ponto de vista dos interesses da sociedade, é verdade que um impeachment causaria instabilidade. Mas a trajetória fúnebre do governo causa traumas bastante reais e irreversíveis. As vidas perdidas cobram. É preciso impor um limite.

Ao mesmo tempo, Câmara e Senado devem instaurar CPIs (Comissão Parlamentar de Inquérito) para apurar suspeita de transgressão disciplinar ou de um crime, como a atuação na pandemia e a incitação a atos antidemocráticos. Seria saudável para que a sociedade possa acompanhar os procedimentos para conter as crises sanitária, econômica e social em que o país está mergulhado.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), tem sido cobrado a instalar a CPI da Covid-19, mas recuou diante da criação do comitê de crise, na semana passada, o que parece ter efeito inócuo até o momento: o país está sufocado, em colapso e Bolsonaro segue trabalhando para boicotar medidas de contenção da pandemia. Se a CPI acontecer, as conclusões serão enviadas ao Ministério Público para definir se há responsabilidade civil ou criminal dos investigados.

Trata-se de resgatar a confiança nas instituições, que até o momento estão funcionando aos tropeços.